Churchill, o cientista, num ensaio sobre a vida extraterrestre

Foi o primeiro-ministro da Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial e um autêntico entusiasta pela ciência. Winston Churchill escreveu um ensaio sobre a vida no Universo, que mostra o seu conhecimento sobre esta questão.

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Churchill começou a escrever o ensaio em 1939 DR

Um recém-descoberto ensaio de Winston Churchill mostra que o líder britânico do tempo da Segunda Guerra Mundial era um autêntico pensador sobre a possibilidade da vida alienígena dos planetas que orbitam o Sol ou outras estrelas do Universo. 

O artigo de 11 páginas foi iniciado na véspera da Segunda Guerra Mundial, em 1939, e finalizado nos anos 50, décadas antes de os astrónomos terem realmente descoberto o primeiro planeta extra-solar nos anos 90. Essa detecção foi feita por Michel Mayor e Didier Queloz, do Observatório de Genebra (Suíça), em 1995. Hoje em dia, o número de exoplanetas identificados anda à volta de 2000. A altura em que Churchill iniciou o ensaio era também uma época de “especulação” sobre a vida em Marte e de um momento radiofónico assinalável: em 1938, Orson Welles lia a ficção A Guerra dos Mundos.

Churchill é frequentemente convocado à actualidade. Desta vez, volta a sê-lo nos assuntos sobre a vida extraterrestre. Esta acaba por ser mais uma prova de que o antigo primeiro-ministro “raciocinava como um cientista”, de acordo com uma análise ao seu trabalho publicada na edição desta revista Nature, escrita pelo astrofísico norte-americano Mario Livio.

Nos últimos 20 anos, tem havido várias missões de procura de planetas, que têm sugerido que a Via Láctea contém mais de mil milhões de planetas do tamanho da Terra que poderão ser habitáveis. Churchill já tinha pensado em algo semelhante há cerca de 80 anos, escrevendo que “com centenas de milhares de nebulosas, e que cada uma contém milhares de milhões de sóis, e há uma probabilidade enorme de planetas com condições que não podem tornar a vida impossível.”

O político também salientou a importância da existência de água líquida para a vida, dizendo que um planeta sustentável deverá ter uma temperatura “entre o ponto de congelamento e o ponto de fervura da água.”

Churchill também considerava que para um planeta conseguir reter gases quentes à sua volta precisaria de ter uma gravidade suficiente, caso contrário essa atmosfera escapar-se-ia para o espaço. Considerando tudo isto, o político acabava por concluir que os únicos planetas do sistema solar que poderiam ter vida seriam Marte e Vénus. Acrescentava ainda que os restantes planetas do nosso sistema são demasiado quentes ou demasiado frios e que a atmosfera da Lua e dos asteróides é muito fraca para aguentar a existência de vida. 

Actualmente, os cientistas têm tentado perceber a existência de sinais de vida em ambientes semelhantes, tanto no nosso sistema solar como noutros sítios do Universo. Churchill chegou a escrever: “Sabemos que existem milhões de estrelas duplas, por que é que não podem existir também sistemas de planetas?” E acrescentava em jeito de conclusão: “Poderá haver planetas extra-solares com tamanho suficiente para manter uma superfície com água e, com alguma sorte, uma atmosfera.”

O ensaio de Churchill destinava-se, provavelmente, a um artigo de ciência para um jornal, mas nunca chegou a ser publicado. Mario Livio coloca a hipótese de o artigo se destinar ao jornal News of the World.

“O ensaio de Churchill é uma prova de como os frutos da ciência e da tecnologia são fundamentais para o desenvolvimento da sociedade”, escreve o astrofísico norte-americano. A ligação de Churchill à ciência já vinha de longe. Com apenas 22 anos, quando estava no Exército britânico, na Índia, em 1896, leu A Origem das Espécies, de Charles Darwin. O político chegou ainda a escrever artigos ciência, que foram publicados em jornais e revistas, incluindo um sobre energia gerada por fusão nuclear em 1931. O político é também conhecido pelos seus dotes de escrita e chegou a receber o Prémio Nobel da Literatura, em 1953.

Sozinhos no Universo?

O ensaio intitula-se Estamos Sozinhos no Universo? e foi descoberto no ano passado nos arquivos do Museu Nacional de Churchill, em Fulton, no Missouri (Estados Unidos). Na análise publicada na revista Nature, Mario Livio louva o pensamento claro de Churchill, e refere que usou a ciência como ferramenta de apoio nas políticas do governo britânico. Churchill foi o primeiro primeiro-ministro a contratar um conselheiro para a ciência, o físico Frederick Lindemann. Este físico aconselhou o governo britânico a financiar laboratórios, telescópios e investigações nas áreas da genética ou da cristalografia.

Mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, Churchill apoiou o programa nuclear britânico e o desenvolvimento do radar. Além disso, contactou com cientistas determinantes no século XX, como Bernard Lovell, pai da radioastronomia.

Devido ao contacto de Churchill com o mundo científico, Mario Livio salienta que o ensaio foi elaborado com uma noção acima da média da terminologia científica. Um exemplo disso é que o ensaio esteve para ser intitulado Estamos Sozinhos no Espaço?, em vez de Estamos Sozinhos no Universo?.

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Ilustração científica do planeta Kepler-452b a 1400 anos-luz de distância da Terra NASA

Ao longo das 11 páginas, Churchill fez também um enquadramento do Princípio de Copérnico (proposto em homenagem ao astrónomo Nicolau Copérnico e, segundo o qual, a Terra não tem um lugar único no cosmos) e que seria difícil acreditar que os seres humanos estariam sozinhos no Universo. Mario Livio nota ainda que Churchill mostrava conhecimentos relativamente às descobertas de Edwin Hubble, no final dos anos 20 e no início dos anos 30, sobre a descoberta de galáxias além da nossa Via Láctea.

A visão de Churchill da vida na Terra é da primeira metade do século XX, ainda um pouco idílica. “Estou preparado para pensar que o único sítio do Universo que contém vida, criaturas que pensam, ou que tem formas de desenvolvimento mental e físico superior já apareceu num vasto intervalo de espaço e tempo”, escreveu Churchill. “Um dia, possivelmente até num futuro não muito distante, será possível viajar para a Lua, ou até mesmo para Vénus e Marte.”

Além disso, há um pensamento humanístico nesta relação de Churchill com a ciência. Um dia disse: “Precisamos de cientistas no mundo, não de um mundo de cientistas.” E Mario Livio reforça: “Num tempo em que os políticos rejeitam a ciência, acabei por encontrar um líder que se dedicava a ela com profundidade.”

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