Afinal, a Budweiser não quis discutir a política de Trump no Super Bowl

Um dos responsáveis pelo anúncio da marca de cerveja, Ricardo Marques, ele próprio um imigrante nos EUA, é português. Falámos com ele.

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O anúncio foi decidido antes de Trump vencer as eleições, garante a marca DR

A Budweiser, a conhecida marca de cerveja americana, foi uma das dezenas de empresas que comprou um dos caríssimos espaços publicitários da final de futebol norte-americano, o Super Bowl. O anúncio conta a história da fundação da marca, com a chegada do seu criador, um imigrante alemão, aos Estados Unidos. O timing do anúncio não podia ter sido mais adequado à actualidade norte-americana e tornou-se imediatamente um dos mais mediáticos, num ano em que política e inclusão foram os dois temas com mais impacto nos spots. Considerado o melhor anúncio exibido no Super Bowl pela revista Forbes e elogiado por várias publicações, o anúncio foi, na realidade, decidido muito antes da polémica das políticas de restrição à imigração e refugiados de Donald Trump, antes até de Trump vencer as eleições.

Quem nos conta a história é o vice-presidente do departamento de marketing da Budweiser, também ele imigrante. Ricardo Marques, português, natural de Viseu, vive nos EUA e é desde Fevereiro de 2016 um dos responsáveis pela equipa que criou o anúncio Born the Hard Way (tradução livre: "nascido da forma mais dura").

O anúncio conta a viagem do alemão Adolphus Busch, que em 1857 deixou Hamburgo e partiu “à procura do sonho americano”. Essa era a ideia do anúncio, explica Ricardo Marques ao PÚBLICO: “apresentar a marca como a campeã do sonho americano”. Ao contrário da interpretação feita por muitos daqueles que viram o anúncio, e apesar de o anúncio ter sido gravado apenas em Janeiro deste ano, a marca garante que a ideia surgiu ainda durante o Verão de 2016 e não é uma posição política em relação às recentes alterações legislativas em relação à imigração nos EUA – entretanto suspensas.

“Não foi uma declaração política, mas passa uma mensagem sobre os valores norte-americanos”, sustenta Ricardo. “Começámos este processo de criação do novo anúncio em Maio e a estratégica ficou definida ainda no Verão. Na altura, Donald Trump não estava ainda na Presidência e tudo estava em aberto e muito menos conseguíamos imaginar que este tópico da imigração iria ficar tão quente”, justifica Ricardo Marques, negando uma influência directa da actualidade na produção.

“Optámos por esta campanha porque era uma história verdadeira do nosso fundador. Os consumidores procuram acima de tudo a autenticidade, histórias que tenham substância e foi isso que nos motivou, essa história de sonho americano. Um sonho americano que é na realidade universal. É um sonho humano.” Um conceito que os norte-americanos conseguiram aproveitar muito bem, acrescenta. “Até o anúncio foi gravado em Nova Orleães, não queríamos um cenário de Hollywood”, justifica.

No entanto, o anúncio não deixa de responder, no essencial, à nova política de imigração da Casa Branca: “No final do dia acaba por ser uma mensagem positiva que lembra a todos os americanos que este é um país foi construído por imigrantes, que vieram para aqui com o sonho de uma vida melhor e com o desejo de progredir”.

A campanha mais bem-sucedida de sempre

Há 12 anos na Anheuser-Busch InBev, empresa que detém a Budweiser, começou a trabalhar mais directamente com a Budweiser em 2011, quando foi para Nova Iorque. O balanço feito ao anúncio deste ano não podia ser mais positivo. “Foi a campanha com mais sucesso em toda a história da marca”, avalia.

O Super Bowl “é o palco onde todas as marcas querem brilhar”. Um palco que tem um custo elevado. “Temos 100 milhões de consumidores a ver o jogo naquele momento. É uma oportunidade única num dos raros momentos em que a televisão é um meio poderoso. Várias marcas fizeram uma aposta”, prossegue Ricardo. Sem querer detalhar qual foi o investimento da empresa no anúncio, o vice-presidente do departamento de marketing lembra que 30 segundos custam cerca de 5 milhões de dólares. O anúncio da Budweiser tem um minuto.

O anúncio contabiliza quase 28 milhões de visualizações no YouTube (um número que entretanto estabilizou). A plataforma de vídeos, que anualmente elege o melhor anúncio da Super Bowl com base na votação dos utilizadores, elaborou uma lista dos dez anúncios mais vistos no dia da final. Em primeiro lugar está o anúncio da Budweiser.

Ainda durante o jogo e imediatamente após a sua exibição, várias pessoas posicionaram-se contra o anúncio, por o considerem “antiamericano” e apelaram ao boicote à cerveja. No entanto, a hashtag que se tornou viral tinha uma gralha no nome da marca: "Budwiser". E os fãs da campanha não perdoaram os mais distraídos. Ricardo Marques sublinha que, apesar dos comentários negativos, “a grande maioria das reacções e comentários foi essencialmente positiva”.

Enquanto imigrante português a viver nos Estados Unidos, Ricardo Marques elogia a “diversidade de pontos de vista” no debate em torno das políticas de imigração e acredita que o sistema “acaba por se auto-moderar e evitar qualquer passo mais radical em qualquer outra direcção”. “Não é uma situação nova. Se voltarmos um pouco atrás na história, à época do nosso anúncio por exemplo [meados do século XIX], percebemos que a História é cíclica”, conclui positivo.

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