Agricultores de Moncorvo processam Estado português por causa de ETAR

Dois casais dizem que uma estação de tratamento de águas residuais provoca um constante encharcamento dos seus terrenos, inviabilizando as culturas. Apelam agora ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

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É pedida uma indemnização de 1,5 milhões de euros quando a obra para evitar a situação custaria 60 mil euros DR
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Dois casais de agricultores de Torre de Moncorvo, distrito de Bragança, deram entrada, há pouco mais de uma semana, com um processo no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem contra o Estado português, pedindo uma indemnização de 1,5 milhões de euros por causa de uma Estação de Tratamento de Águas Residuais que, alegam, lhes inundam o terreno.

“Os efluentes, que são lançados num canal com paredes de xisto, passam através dos orifícios de tais paredes e encharcam permanentemente os terrenos dos autores da acção”, explicou ao PÚBLICO Castanheira Barros, advogado dos dois casais.

O encharcamento permanente dos terrenos destruiu as culturas que ali tinham, de olival, vinha e pomar diverso. “Muitas das oliveiras secaram. Já nem sequer as conseguimos arrancar porque a máquina só consegue lá entrar quando tirarem a água que lá está, faça chuva ou faça sol”, conta Maria Emília dos Santos, que chegou a colher mais de seis mil quilos de azeitona antes da construção da ETAR, há 20 anos. “Trabalhámos duas décadas em França e enterrámos aqui o dinheiro que ganhámos, não sei para quê. Antes estávamos no paraíso, agora ficámos aqui no inferno”, desabafa.

Tanto o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (TAF de Mirandela) quanto o Tribunal Central Administrativo Norte (TCA Norte) reconheceram que os danos nos terrenos agrícolas dos autores se ficaram a dever ao seu encharcamento, não tendo, porém, reconhecido que ele fosse causado pela descarga permanente das águas residuais da ETAR, “apesar de múltiplas testemunhas, inclusive algumas apresentadas pelos réus Águas do Norte S.A. e Agência Portuguesa do Ambiente, terem afirmado que o alagamento era permanente quer chovesse quer fizesse sol, não existindo pois outro factor que pudesse explicar tal ocorrência”, diz o advogado dos agricultores.

Por isso, Castanheira Barros deu entrada com uma acção no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem exigindo ao Estado Português uma indemnização tendo “por fundamento a violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente por violação do direito à decisão da causa num prazo razoável (artigo 6º), do direito a um tribunal imparcial (artigo 6º) e do direito a um recurso efectivo (artigo 13º), que resulta do facto de o TCA

Norte ter auto-limitado a sua competência para modificar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto”.

O prejuízo causado por danos patrimoniais e morais no valor global de 1,5 milhões de euros foi calculado por dois técnicos que durante meses fizeram o levantamento dos danos sofridos ao longo de vários anos e até à data da interposição da primeira acção (12 de Março de 2013) pelos dois casais que vivem nas proximidades da ETAR e que dependem da agricultura para a respectiva sobrevivência, tendo concluído ser de cerca de 900.000 euros o prejuízo do casal Luciano Cruz e Maria Emília Santos que têm, respectivamente 88 e 80 anos, e de cerca de 600.000 Euros o prejuízo causado ao casal Carlos Almeida e Maria Manuela Almeida, de 62 e 60 anos, respectivamente, valores a que acrescem juros.

Por outro lado, a violação do direito à decisão da causa em prazo razoável resulta do facto de os tribunais administrativos portugueses terem demorado três anos e sete meses a decidir um processo que, de acordo com o advogado dos agricultores, “poderia ter sido decidido em última instância em meio ano, processo esse que teve paragens injustificadas de sete e oito meses para além de outras paragens por períodos menores, sendo pedido com esse fundamento a condenação do Estado a pagar cinco mil euros a cada um dos quatro autores a título de ressarcimento por danos morais”, explica Castanheira Barros.

Actualmente, a situação mantém-se e configura “um atentado ambiental gravíssimo”, que tem sido potenciado pelas últimas chuvas. “Ando com um princípio de depressão com o stress”, admite Maria Almeida, uma das agricultoras afectadas.

O problema só seria resolvido com a impermeabilização de cerca de 200 metros do canal por onde passam as águas da ETAR. Uma obra cujos custos rondarão os 60 mil euros.     

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