James Gray, fora de tempo

Fora de concurso, The Lost City of Z é um filme-limite que remete para a melancolia terminal dos últimos filmes de John Huston.

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Charlie Hunnam interpreta Percy Fawcett em The Lost City of Z LCOZ HOLDINGS, LLC / Aidan Monaghan
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Sienna Miller e Tom Mulheron em The Lost City of Z LCOZ HOLDINGS, LLC / Aidan Monaghan
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Robert Pattinson em em The Lost City of Z LCOZ HOLDINGS, LLC / Aidan Monaghan

Partamos deste pressuposto: Percy Fawcett, o explorador britânico do início do século XX que é a personagem principal de The Lost City of Z (Berlinale Special), é James Gray, ele próprio. Alguém que está eternamente na coxia a olhar para o palco, de fora a olhar para dentro, que parece ter nascido tarde demais ou cedo demais ou no local errado para cumprir o seu destino ou o seu sonho. Percy Fawcett, que existiu realmente e desapareceu sem deixar rasto em 1925 na Amazónia, não quer outra coisa que não seja deixar um rasto, viver uma vida. É um pressuposto que explica muita coisa sobre a opção de Gray por levar ao écrã o best-seller de David Grann A Cidade Perdida de Z, sobre a obsessão de Fawcett por encontrar uma mítica civilização pré-histórica nos confins da então inexplorada Amazónia. Quase como se fosse uma obsessão do próprio realizador de A Emigrante.

Sim, é mais uma história de "beautiful losers", de gente atormentada em busca de paz, como tudo o que Gray fez antes, de Little Odessa à Emigrante. Mas o heroísmo hiper-romântico mesmo que condenado de Fawcett, arquétipo do abnegado soldado imperial britânico, é da mesma estirpe do romantismo classicista que move o cinema do norte-americano. The Lost City of Z emana ao mesmo tempo um perfume de fim de império e um desejo de o reencontrar, uma consciência de que a aventura exótica que teve os seus dias de glória antes dos anos 1970 é uma singularidade no cinema que corre. 

Fawcett, militar de carreira que as suas origens impediram de singrar na hierarquia, aceita relutantemente liderar uma missão cartográfica ao Amazonas para tentar definir fronteiras, e nessa primeira viagem é mordido pelo bicho da busca - como lhe diz o seu guia Guarani, "eu, sou livre; mas tu, tu nunca conseguirás fugir à selva". Gray filma a sua aventura, através da fotografia ricamente texturada, difusa, de Darius Khondji (registada em película de 35mm), com uma melancolia terminal, extraordinariamente comovente, que remete para o Homem que Queria Ser Rei ou para o Tesouro da Sierra Madre de John Huston - e nesse processo prolonga e projecta o seu desejo de recriar para os nossos dias o artesanato que foi sendo substituído pela montagem e pelo efeito especial. 

The Lost City of Z não tem vedetas, não chama a atenção, não é um filme para quem procura a última moda nem vai atrás do que está a dar - não que Gray alguma vez o tenha feito (nunca o fez), mas atinge aqui um ponto de não-retorno para lá do qual apenas são possíveis a glória ou o esquecimento. As reacções a The Lost City of Z, apresentado (inexplicavelmente) fora de concurso em Berlim, vão da aclamação como uma obra-prima extraordinária à acusação de desastre completo; apresentado em primeira mão no festival de Nova Iorque em Outubro último, o filme não tem ainda sequer estreia agendada nos EUA, e França será o primeiro país a exibi-lo comercialmente em Março. Tudo isto apenas confirma como este não é, claramente, o tempo de James Gray.  Mas, na verdade, ele esteve sempre fora de tempo.

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