Pequenas aranhas dançarinas vingam no amor com um arco-íris no corpo

Há dois géneros de aranhas que, ao serem conquistadas, vêem várias cores no corpo do seu futuro parceiro – cores essas que não são percepcionadas pelos olhos humanos.

Aranha do género <i>Maratus</i>
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Aranha do género Habronattus Jurgen Otto
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Aranha do género Maratus na dança de corte Jurgen Otto
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Pormenor da aranha do género Maratus Jurgen Otto
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Aranha do género Maratus com um diferente leque de cores Jurgen Otto
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Aranha do género Maratus Jurgen Otto

Se fosse em inglês, o nome de duas pequenas aranhas da família Salticidae podia ser confundido com uma música de Elton John: Tiny Dancer. Até a canção do músico britânico podia ser a banda sonora da dança de corte destas pequenas aranhas. “Olhos bonitos, sorriso de pirata”, canta Elton John. Já as aranhas dos géneros Habronattus e do Maratus piscam os olhos com as suas antenas e “sorriem” para as suas conquistas com cores muito variadas no seu corpo.

Mas atenção, a visão humana não percepciona estas cores, elas apenas estão acessíveis aos olhos destas aranhas. Quem o disse foi o biólogo Nate Morehouse, da Universidade de Cincinnati (EUA), numa conferência da Sociedade para a Biologia Integrada e Comparada, em Nova Orleães, nos Estados Unidos.

As aranhas da família Salticidae, também conhecidas como aranhas-saltadoras, contam com cerca de 500 géneros e 5000 espécies. Contudo, há dois géneros destas aranhas que se distinguem pela dança de corte. São do tamanho das joaninhas e existem em dois sítios bem distantes no mundo: as do género Habronattus são originárias da América do Norte e as do género Maratus são provenientes da Austrália. Aos nossos olhos, ambas surgem como umas galanteadoras e não olham a meios para conquistar os seus parceiros.

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Aranha da do género Habronattus Thomas Shahan

Mas como vingam no amor estas aranhas? A dançar. Começam tímidas, numa roda sobre si próprias, depois em pequenos passos aproximam-se, e dão oficialmente início à conquista. Quase se movem como dançarinas de flamenco, abrem os braços e rodam duas patas do meio, depois movem a parte de trás do corpo e não há-de tardar muito até que coordenem os vários movimentos com uns passos para a esquerda e outros para a direita. Quase que parece que apresentam uma coreografia ensaiada durante largos meses e este é o espectáculo final, cujo cenário pode ser um tronco de árvore. Até que chega a apoteose, ou seja, conquistaram o seu parceiro.

Uma retina a várias cores

Esta dança foi improvisada no laboratório de Nate Morehouse e algo foi então descoberto. Afinal, o sucesso da conquista é garantido porque estes dois géneros de aranhas têm uma retina que filtra diferentes cores emitidas pelo corpo do parceiro. No fundo, é como se a roupa que os parceiros usam na dança de corte contasse para a apreciação final.

O biólogo usou dois métodos para perceber como funcionava a visão destes dois géneros de aranhas. Primeiro, utilizou a microespectrofotometria, para compreender como as células foto-receptoras da retina absorvem a luz. Depois, construiu um modelo do sistema visual das aranhas, para perceber como é que a sua retina percepciona as cores. Nate Morehouse acabou por concluir que estas duas aranhas vêem as cores de duas formas distintas, e essa é a novidade científica.

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As aranhas do género Maratus são do tamanho de joaninhas Jurgen Otto

As Habronattus têm um filtro vermelho na retina para criar um outro tipo de foto-receptor capaz de ver esta cor. Além disso, combinam esta capacidade com a das células foto-receptoras para o verde na retina, permitindo-lhes ver no final vermelho, amarelo e laranja no corpo da outra aranha. Já as Maratus têm dois tipos de células foto-receptoras na retina para ver vermelhos e azuis, sem que seja necessário qualquer filtro.

“Provavelmente, estas células foto-receptoras adicionais resultam do facto de ter havido uma duplificação de genes, que mais tarde evoluíram para [ver] um espectro mais alargado de cores, semelhante à forma como evoluíram os humanos e outros primatas para ver as cores”, explica Nate Morehouse num comunicado da sua universidade. “Algures cedo na evolução dos primatas os genes responsáveis pela proteína que nos dá sensibilidade ao ver duplicou-se em duas cópias. Um destes genes – o da [proteína] opsina – sofreu mutações sem afectar o outro gene e essas mutações acabaram por permitir que uma das cópias se tornasse sensível ao vermelho. Isto pode ter sido o que aconteceu com a Maratus.”

No espectro electromagnético, as aranhas dos outros géneros apenas vêem cores que vão do ultravioleta até ao verde. Já estes dois géneros, além de serem “dançarinos talentosos”, têm a capacidade de ver laranja, rosa, vermelho e amarelo no corpo dos seus parceiros, o que acaba por facilitar o sucesso no acasalamento. Ambos os sexos possuem estas capacidades visuais.

“A descoberta da forma como dois grupos diferentes de aranhas-saltadoras evoluíram em lados opostos do globo é extraordinária. Ambas têm uma rara capacidade para ver um grande comprimento de onda de cores como o vermelho, o laranja e o amarelo”, afirma Nate Morehouse.

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Aranha do género Maratus Jurgen Otto

O biólogo pensa alargar o âmbito desta investigação e pretende observar um grupo de aranhas da Índia que tem cores brilhantes no corpo (que todos nós conseguimos ver) e que, até agora, não estão associadas ao “fenómeno” que acontece com as Habronattus e as Maratus. “Se aumentarmos o conhecimento sobre mais grupos que fizeram a transição para uma visão das cores mais sofisticada, estaremos em posição de compreender como é que a visão das cores evoluiu em primeiro lugar e que consequências tem no comportamento e na ecologia destas espécies.”

Pelo menos para a Habronattus e a Maratus, uma visão rara das cores entre as aranhas serve-lhes para fazer conquistas amorosas.

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