Marcelo debaixo de críticas da direita. Acabou o estado de graça?

A forma como o Presidente tem defendido o Governo e o ministro das Finanças em particular, tanto no caso das declarações de rendimentos da CGD como na performance do défice, veio pôr a descoberto as críticas que antes se faziam em surdina.

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Declarações em defesa de Centeno viram direita contra Marcelo Miguel Manso

É oficial: a direita está de costas voltadas para o Presidente da República. Depois de 11 meses de mandato, Marcelo Rebelo de Sousa tanto desdramatizou a solução governativa que acabou por se confundir com ela e colocar o partido de que é militante suspenso a criticá-lo abertamente. Também o CDS não tem gostado de ver o chefe de Estado a entoar loas ao Governo socialista, desvalorizando as realizações do governo anterior e já não esconde esse desconforto.

A louça partiu-se na última semana. Começando pelo fim: José Eduardo Martins, um social-democrata apoiante de sempre do actual chefe de Estado, declara agora que o Presidente da República se "descredibilizou" com a falta de imparcialidade ao proteger o ministro das Finanças. “Custa-me muito dizer isto mas tenho de o fazer. Se há apoiante de Marcelo no PSD sou eu. Mas ele está a descredibilizar-se. A ele e à função presidencial", afirma o ex-dirigente laranja ao Diário de Notícias.

A gota de água foram as declarações de Marcelo em defesa do ministro Mário Centeno na polémica sobre se mentiu ou não ao Parlamento no que diz respeito ao compromisso que terá assumido com António Domingues para isentar os ex-administradores da CGD de apresentar as declarações de rendimentos ao Tribunal Constitucional. "Ou há um documento escrito pelo senhor ministro das Finanças em que ele defende uma posição diferente da posição do primeiro-ministro ou não há. Se não há é porque ele tinha a mesma posição do primeiro-ministro, para mim é evidente", disse o Presidente da República.

Esta declaração deixou José Eduardo Martins "um bocadinho envergonhado", o suficiente para dizer que, se até já ele se tornou crítico, então "já não pode haver ninguém no PSD que esteja contente" com Marcelo. “Ninguém pode ser feliz pegando fogo ao sítio onde nasceu", acrescentou ao DN.

Já na quinta-feira, quando pediu a demissão de Mário Centeno por ter “mentido ao Parlamento e ao país”, o eurodeputado Paulo Rangel comentara criticamente aquelas afirmações do chefe de Estado: “Se disse isso, fez mal. Compreendo a preocupação com a estabilidade do Ministério das Finanças. Mas o Presidente da República é o garante da ética e da transparência”, disse ao PÚBLICO.

Ao Sol, também Marco António Costa, vice-presidente do PSD, assumiu este fim-de-semana que por vezes fica "algo perplexo com as declarações" que Marcelo produz. "São declarações que, a meu ver - e digo isto na qualidade de cidadão - não me parecem estar adequadas às circunstâncias e à realidade", disse, garantindo respeitar opinião do Presidente.

Mais cauteloso, mas também a sinalizar algum desconforto com as declarações presidenciais, Hugo Soares, deputado próximo de Passos Coelho, tinha afirmado à TSF: “Eu creio que o Presidente da República está a desvalorizar – ou ainda não ouviu, pode ter acontecido – documentos que já vieram a público (…). O PSD nunca se sente desautorizado por qualquer declaração do senhor Presidente, o PSD responde perante o seu eleitorado e perante os portugueses. E não tenho dúvida nenhuma que não haverá hoje um português que não perceba que o ministro das Finanças, de forma repugnante, continua ele próprio a atirar lama para a cara dos portugueses”.

Certo é que a semana já tinha começado com declarações do chefe de Estado que puseram a direita com os cabelos em pé. Instado a comentar a estimativa da UTAO para o défice de 2016, Marcelo considerara ser uma “grandiosa realização” que o défice se situasse nos 2,3% do PIB. E que o resultado “é obra do Governo anterior, mas é em larga medida obra deste Governo”.

“Não havia necessidade”, escreveu Nuno Melo, eurodeputado do CDS-PP, nas páginas do Jornal de Notícias. “Receber um défice de 11,2% em 2011, reduzindo-o para 2,98% no final de 2015 (ajuda ao Banif incluída) como conseguiram o PSD e o CDS no Governo (…) foi uma ‘grandiosa realização’”, acrescenta o vice-presidente centrista, que depois se centra nos ataques às políticas do Governo de António Costa.

Mas sobre Marcelo, ainda acrescenta mais uns pozinhos: “Gosto do Presidente da República (…) Será também, querendo, o Presidente de todos os portugueses. Não por inerência da função, mas porque não tome partido. Com pena minha, uma ou outra vez tem tomado. Confesso que me custa”.

Críticas em crescendo

À direita, até agora, as críticas ao chefe de Estado ouviam-se baixinho, sobretudo a condenar a excessiva colagem do Presidente ao Governo. Mas é sabido que as relações entre Pedro Passos Coelho e Marcelo Rebelo de Sousa não são boas há muitos anos. Ainda assim, ambos evitam digladiar-se publicamente. Mas quando um dá uma estocada, raramente fica sem resposta.

O último episódio aconteceu no início de Dezembro, com Passos Coelho ao ataque: “Ainda bem que [Marcelo] não é presidente do PSD. Está a fazer tudo o que está ao alcance dele para que o mercado, os agentes económicos, acreditem mais num Governo de que desconfiavam”. Logo a seguir, ouviu a réplica presidencial. Por terras da Beira, onde andava a fazer uma jornada do Portugal Próximo, Marcelo foi implacável: “O PSD está bem entregue e o país também”.

Da esquerda, o Presidente também tem ouvido críticas, mas mais cautelosas. Do PS, a voz mais acutilante é a do deputado Porfírio Silva, membro do secretariado do PS e muito próximo de António Costa. No caso da Cornucópia, quando Marcelo tentou forçar o Governo a encontrar uma solução que impedisse o fecho daquele teatro, Porfírio escreveu no seu blogue: "Não fui ao velório de ontem, desde logo porque os compromissos com amigos me merecem tanto respeito como as instituições. Mas fiquei descansado em não poder ir quando antecipei que a ocasião iria ser mais um palco para algo que Eduardo Paz Ferreira descreveu, noutro contexto, como alguém ‘extravasar os seus poderes constitucionais’”.

Também o ex-eurodeputado pelo PS Vital Moreira tem dado os seus remoques ao Presidente. “Nas funções do Presidente não cabe intervir publicamente e emitir parecer, feito jurisconsulto oficioso (por melhores que sejam os argumentos) sobre a interpretação da questão legal, cuja decisão cabe ao Tribunal Constitucional. Há o princípio da separação dos poderes...”, escreveu o constitucionalista no seu blogue, a propósito da nota presidencial sobre a obrigação de entrega de declarações pelos administradores da CGD.

Do Bloco, tem cabido a Luís Fazenda o papel de observador crítico e ainda na semana passada, a propósito do “chumbo” da redução da TSU, o fundador do BE afirmava que o chefe de Estado “desconsiderou algum tipo de convergência política que existe entre o Governo e os partidos à sua esquerda”. Também o líder comunista, Jerónimo de Sousa, já fez reparos públicos à actuação do Presidente, e desde cedo. Pouco depois de ter tomado posse, o chefe de Estado convidou Mario Draghi para o seu primeiro Conselho de Estado. “Achamos no mínimo estranho”, considerou Jerónimo.

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