Ficar ou não na zona euro: eis a questão grega?

A dívida pública da Grécia tem estado novamente no centro das atenções, desta vez não por causa da Grécia, mas, imagine-se, em resultado de um “conflito” que se arrasta, desde meados de 2015, entre o FMI e o Eurogrupo, liderado por uma posição irredutível do ministro das Finanças da Alemanha, secundado pela Comissão Europeia e Mecanismo Europeu de Estabilidade.

Até 2014, o FMI alimentou e apoiou, mesmo se de forma reticente, a ficção de que a dívida pública da Grécia era sustentável. O actual “conflito” tem as suas raízes na adopção, pelo FMI, de uma nova metodologia de análise de sustentabilidade da dívida pública da Grécia, de Junho de 2015, reforçada por análise similar de Maio de 2016. A divulgação, em Abril de 2016, pela WikiLeaks, de uma conversa entre responsáveis do FMI, em que Poul Thomsen sugere que era necessário criar uma crise artificial para levar os europeus (a Alemanha) a concordar em reestruturar a dívida da Grécia e, mais recentemente, um relatório confidencial do FMI, cujos pontos mais sonantes foram ”deixados” divulgar na semana passada pela imprensa veio reabrir a questão da sustentabilidade da dívida grega. Segundo este último relatório, a dívida grega estaria numa trajectória “explosiva”, projectando o FMI que exceda os 250% do PIB em 2060.

Por essa razão, o FMI sustenta que a dívida da Grécia teria de ser novamente reestruturada, desta vez, pelo sector oficial europeu. Sem essa reestruturação, o FMI não estaria disposto a participar num novo resgate à Grécia que seria necessário realizar até Julho do ano corrente. Ora, para a Alemanha, a condição sine qua non para o quarto resgate à Grécia é a participação do FMI no mesmo. 

De acordo com dados do Eurostat, a dívida pública da Grécia (critério de Maastricht), no final de 2015, era de aproximadamente 312 mil milhões de euros, representando 177,4% do PIB.

De acordo com o FMI, cerca de 78% da dívida pública da Grécia era detida pelo sector oficial internacional, com a quase totalidade a ser detida pelo sector oficial da zona euro, (73%). Dos restantes 22%, uma pequena parte é detida pelo Banco Central da Grécia e outra parte pela banca desse país. Ou seja, só uma pequena fracção da dívida pública grega é detida pelo sector privado, em parte em resultado dos três resgates europeus (com a participação do FMI) e da reestruturação da dívida ao sector privado de 2012.

Ainda de acordo com o FMI, a dívida pública grega às instituições europeias representava, no final de 2015, cerca de 130% do PIB e apresentava maturidades longas (15 e 40 anos) sendo a taxa de juro média, variável, mas muito baixa, de 1,2%.

Segundo uma análise de Julian Schumacher e de Beatrice Weder di Mauro da Universidade de Mogúncia (Mainz), o valor presente da dívida pública da Grécia seria de 100% do PIB, muito inferior ao seu valor facial, 177,4% do PIB, mas essa análise utiliza uma taxa de desconto de fluxos financeiros futuros de 5% por ano, o que se me afigura demasiado elevada. O FMI utiliza na sua análise taxas de desconto entre 3% e 5%, o que permite perceber o valor da redução de dívida dos financiamentos europeus à Grécia na perspectiva do devedor (a Grécia). Uma taxa de desconto de 3% resultaria num valor presente da dívida pública da Grécia muito superior a 100% do PIB.

Será esse um dos factores que levam o FMI a entender que a dívida pública grega é insustentável e a defender um excedente orçamental primário para a Grécia de 1,5% do PIB?

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