Janice Kerbel mergulhou na música à procura de acidentes (e vamos vê-los em Serralves)

A artista canadiana radicada em Londres apresentará este sábado DOUG, com a qual foi finalista do Turner Prize 2015.

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DOUG Keith Hunter
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DOUG dr
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Janice Kerbel dr

Seis cantores e um maestro. Há música e uma personagem cujas peripécias são cantadas. Doug é a personagem e o que lhe acontece não é bonito. Sofre uma explosão, cai num lanço de escadas, afoga-se lentamente. A música que ouvimos nas palavras cantadas, nas vozes que se organizam, não tenta evocar o ambiente de cada um daqueles acontecimentos, como o evocava, por exemplo, o La Mer de Debussy com a orquestra crescendo do lento vogar ao turbilhão tempestuoso. Na criação de Janice Kerbel (Toronto, 1969), que valeu à artista canadiana radicada em Londres, em 2015, a nomeação para o Turner Prize, aquelas vozes, a música que criam e as palavras que dizem serão a própria explosão, a própria queda, o próprio afogamento.

DOUG será apresentado este sábado na Biblioteca de Serralves, no Porto, às 17h00 (entrada através da aquisição do bilhete para o Museu e Parque). É uma peça musical, mas tem sido apresentada em galerias ou bibliotecas. Nunca a ouvimos, ou melhor, nunca a vimos, numa sala de concertos. Porque não é um concerto. “Ver DOUG numa sala de espectáculos musicais seria estranho, porque não foi para esse contexto que o escrevi. Uso a linguagem da música, mas não o pensei enquanto peça musical. Pode ser vivido e pode gerar reflexão enquanto espectáculo visual. Pelo menos, é isso que gostava que acontecesse”, explica Janice Kerbel em entrevista telefónica ao PÚBLICO.

Tendo em conta o seu percurso, faz sentido o que nos diz. A sua obra reflecte a vontade de imaginar cenários ou ideias improváveis, que Kerbel torna plausíveis através de um planeamento meticuloso – como foi o caso de Bank Job (1999), que criou após se ter empregado no Coutts and Co., instituição bancária britânica, e que era nada menos que um meticuloso plano de assalto ao banco, assalto perfeito que, divulgado, se tornou obviamente impossível de concretizar; ou como foi o caso de Deadstar (Ghosttown) (2007), em que, depois de estudar planeamento urbano, a topografia do Wyoming e histórias de assombrações, criou o mapa para uma cidade que, em vez de assombrada, fosse verdadeiramente habitada por fantasmas.

O trabalho de Kerbel reflecte também a vontade de explorar expressões com as quais não esteja familiarizada. “Aprender a dominá-las e navegar nelas é, para mim, muito libertador”. No caso de DOUG, essa linguagem foi a música. A personagem central, essa que sofre todos os desastres, nasceu de uma confluência: o gosto pelo humor físico, o de Buster Keaton ou o do Coiote dos desenhos animados, e ter o filho bebé a seu lado enquanto escrevia o texto. “Estava sempre preocupada, a imaginar acidentes que teria que impedir. O desastre estava na minha cabeça o tempo todo (risos)”. A juntar a tudo isso, havia uma questão que se ia tornando clara. “Muitos dos trabalhos que fiz tomam a forma de um poema, e sempre tive consciência que tentamos sempre eliminar o erro, o acidente. Comecei a questionar-me se seria possível escrever apenas isso, o acidente, o desastre”.

DOUG nasceu com a orientação de dois compositores, Laurie Bannon e Philip Venables, mas foi totalmente composto por Janice Kerbel num programa digital de notação musical. As nove peças musicais de que é composto são organizadas como ciclo de canções, mas tomam como referência, mais que vultos ou eras da história da música, “a poesia concreta e outras manifestações vindas desse universo”. Pretendem ser representação, quer sonora, quer na forma que o som adquire nas pautas, do acontecimento que relatam. “Uma explosão é necessariamente curta, a queda nas escadas exige algo mais longo e que reflicta uma maior consciência física”.

Esta tarde em Serralves, ouviremos música para acompanhar as atribulações de Doug, veremos a música enquanto experiência visual. O futuro, entretanto, já está a ser preparado. Depois de ter trabalhado na peça agora apresentada, que não quer registada para a posteridade – “Gosto da ideia de ser uma experiência ao vivo, de nos sentarmos e ter algo a acontecer perante nós” –, Kerbel começou a pensar noutros formatos que poderia trabalhar da mesma forma. Já encontrou um. “Fiquei fascinada com a natação sincronizada, com a sua configuração formal e com a forma como nela se estabelece a relação entre a parte e o todo”.

O seu próximo trabalho será uma peça de natação sincronizada criada para 48 mulheres.

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