Duas mil empresas deixaram de exportar para Angola

Queda de 26% no número de empresas que exportaram para Angola em 2016 e descida de 28% nas exportações. Ministro dos Negócios Estrangeiros chega hoje a Luanda.

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Valor das exportações para Angola desceu 28%, para 1503 milhões Manuel Roberto

O impacto que a crise económica de Angola continua a ter no tecido empresarial português é bem visível através de dois indicadores, negativos: o número de empresas que exportam para este mercado africano, e o valor dos bens exportados. No primeiro caso, só entre 2015 e o ano passado houve menos 26,1% de entidades a vender para Angola, muitas das quais de micro dimensão, descendo o número global para 5523 empresas. Comparando com 2013, ano em que os preços do petróleo ainda estavam elevados, num país onde a produção local ainda é residual, a queda chega aos 41%.

O travão no consumo e investimento público, com a falta de divisas internacionais que se seguiu à descida dos preços do petróleo, fez encolher as importações deste mercado, que funciona como único destino de milhares de empresas portuguesas. De acordo com os dados cedidos ao PÚBLICO pelo INE, no ano passado contabilizaram-se 2749 empresas que só exportavam para Angola, menos 28% face a 2015. Olhando para o ano de 2013, a descida chega aos 48%.

O destino das empresas que deixaram de vender para Angola é uma incógnita: umas voltaram a focar-se apenas no mercado interno, outras diversificaram as suas vendas, mas muitas terão certamente fechado as portas ao deixar de receber encomendas, ou os respectivos pagamentos.  

Com os dados do comércio internacional divulgados esta quinta-feira pelo INE é agora possível ter o retrato completo de 2016, que se mantém negativo. Ao longo do ano passado, o valor das exportações para Angola desceram 28%, para 1503 milhões de euros. Isto depois de já se ter assistido a uma queda de 34% em 2015, ano em que este país foi ultrapassado pelos Estados Unidos como maior mercado fora da União Europeia. Neste momento, os EUA estão quase mil milhões de euros acima de Angola, tendo registado, sem combustíveis, um crescimento anual de 2,2%, agora ameaçado pela política proteccionista de Donald Trump.

Numa fase em que o ténue crescimento das exportações foi suportado pela Europa, as perspectivas para o mercado angolano ainda não são muito positivas, apesar de Novembro e Dezembro terem interrompido uma queda que durava há 22 meses.

Facturas por pagar

Paulo Varela, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal – Angola, diz que, quando a economia angolana estabilizar, após uma crise que teve “um impacto transversal à economia nacional”, haverá diferenças face a 2015. A “tomada de consciência de que uma economia não é sustentável quando as suas receitas fiscais e de exportação provêm apenas de um ou dois produtos cujo valor depende dos ditames e comportamento dos mercados internacionais”, diz, fará com que “a política de diversificação da economia permaneça um desígnio nacional”.

“Angola não deixará de ser um país importador mas os empresários [portugueses] que quiserem trabalhar com o país, terão que adequar as suas estratégias a um novo paradigma, priorizando a produção local de forma a substituir as importações, desenvolver a macroestrutura económica e reduzir o fluxo de saída de divisas”, acrescenta.

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Aumentar

O mês de Novembro, fase em que as exportações tiveram uma variação positiva, é o período das compras de Natal, mas, principalmente, foi o momento em que se registou um acordo entre os países da OPEP – da qual Angola faz parte – para subir o preço do petróleo. Paulo Varela diz, no entanto, que o ligeiro aumento registado “não é, ainda, suficiente para reverter o problema da escassez de divisas em Angola, iniciar a liquidação dos 'atrasados' e assegurar o pagamento de novos fornecimentos”.

Para este responsável, “grande parte dos créditos detidos por empresas portuguesas está longe de ser regularizada, continuando as exportações a ser liquidadas de acordo com a lista de prioridades estabelecida pelo banco central angolano (produtos da cesta básica, farmacêuticos e de saúde; equipamentos para o sector petrolífero; transferência de salários; serviços prestados pelas companhias de aviação; cartões de crédito; viagens ao exterior; despesas públicas, entre outras), em montantes e com destinatários pré-definidos, por via da venda semanal de divisas à banca”.

Augusto Santos Silva em Luanda

Hoje, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, inicia uma viagem a Angola que durará três dias, e que inclui um encontro com representantes das principais empresas portuguesas presentes neste mercado.

Em 2016, de acordo com os dados divulgados recentemente pelo FMI, a inflação chegou aos 42% em Angola, e verificou-se uma estagnação da economia (a expansão de 0,8% do sector petrolífero não conseguiu compensar a descida de 0,4% no sector não petrolífero).

Este ano, em que haverá eleições presidenciais, a estimativa do FMI aponta para um crescimento de 1,3%. José Eduardo dos Santos já afirmou que não se recandidata, avançando com o nome do actual ministro da Defesa, João Lourenço.

Destacando os valores do executivo angolano, que apontam para um aumento de 2,1% do PIB, “1,8% dos quais imputável ao sector petrolífero e 2,3% responsabilidade do sector não petrolífero”, Paulo Varela diz, isso, “a acontecer, permitirá começar a visualizar alguns resultados da implementação da política de diversificação da actividade económica”. Além disso, destaca, as eleições poderão também ajudar a mudar um pouco o cenário, sem que tal represente mais endividamento externo do país.

Para este responsável, cada empresa terá de “uma gestão quase diária, adequando o mais possível a sua actividade à política de diversificação da actividade económica, a nível nacional e regional (SADC), beneficiando dos incentivos que o executivo concede neste domínio, investindo no país numa lógica de longo prazo, apostando em quadros nacionais competentes, disponibilizando produtos e serviços de qualidade”.

“Acreditamos que esta é a forma de uma economia sair reforçada das inevitáveis crises que, periódica e necessariamente ocorrem, no mercado angolano como em todos os demais”, remata. Neste momento, e apesar de todas as quedas, Angola ainda vale 12% das exportações portuguesas de bens para fora da Europa.

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