Fogo no Andanças só teria destruído “alguns carros” se o pasto tivesse sido retirado

Comandante distrital da Protecção Civil é quem o diz. Nem câmara, que efectuou limpeza do terreno, nem organização do festival assumem responsabilidade por vegetação ter ficado no local.

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Incêndio no parque de estacionamento do Andanças danificou 458 veículos Enric Vives-Rubio

O comandante distrital de Portalegre da Autoridade Nacional de Protecção Civil, Luís Belo Costa, não tem dúvidas de que se após a limpeza do terreno que serviu de parque de estacionamento do festival Andanças, a vegetação cortada tivesse sido retirada do local, o incêndio que deflagrou no passado dia 3 de Agosto teria ficado confinado a “alguns carros” e não teria danificado 458 veículos, como veio a acontecer.

A posição foi defendida num depoimento prestado no inquérito-crime ao incêndio e resumido no despacho de arquivamento a que o PÚBLICO teve acesso.

O responsável considerou, segundo o resumo, que “dadas as condições verificadas existia um risco elevado de incêndio, em virtude da carga de incêndio existente”, destacando o “enorme” somatório dos combustíveis vegetais e dos automóveis. “A disposição do pasto no terreno ajudou à propagação do mesmo; na sua opinião, se não houvesse pasto, o incêndio até propagar-se-ia para alguns carros, mas não para as várias centenas como efectivamente aconteceu”, lê-se no resumo do depoimento. E acrescenta-se: “Na sua opinião o facto de o pasto ter sido cortado e deixado no chão exponenciou o risco de incêndio”.

No entanto, Luís Belo Costa admite que não existe legislação específica para a limpeza de combustíveis vegetais neste tipo de locais e eventos.

Limpeza do terreno feita por sapadores 

A Polícia Judiciária já tinha concluído que a cama de vegetação que se encontrava no chão do parque de estacionamento tinha sido essencial para explicar a dimensão dos estragos. Mas ninguém quer assumir a responsabilidade por ter deixado o pasto no local. No inquérito-crime fica claro que a limpeza do terreno foi feita por sapadores florestais da Câmara Municipal de Castelo de Vide a pedido da organização do festival, a associação PédeXumbo.

O comandante operacional municipal de Castelo de Vide, o engenheiro João Dona, tenta empurrar a responsabilidade para a organização do Andanças, dizendo que esta pediu o corte da vegetação e ainda que “esses trabalhos fossem efectuados de modo a que o solo não ficasse totalmente exposto, de modo a evitar o constante levantamento de poeira”. Confirma que o material cortado ficou no local e afirma que “não foi solicitada qualquer remoção desse material por parte da organização”. O comandante operacional municipal, que supervisionou a limpeza, assume que o modo como foram feitos os trabalhos “não seria o mais correcto porque deixava sobre o solo todo o material sobrante”.

Mas um dos sapadores florestais envolvido na limpeza, também ouvido no inquérito, diz que o procedimento habitual dos sapadores nas actividades de limpeza é deixar o material sobrante no local. E garante que ninguém da organização do Andanças acompanhou os trabalhos.

Uma das coordenadoras do festival, Maria Graça Gonçalves, garante no seu depoimento que não foi solicitada à câmara que deixasse o pasto cortado sobre o chão. Frisa, por outro lado, que no início de Julho foi feita uma apresentação perante diversas entidades do plano de segurança do festival e que nenhuma fez qualquer recomendação. Confirma ainda que a organização possui um seguro de responsabilidade civil do Andanças com uma cobertura de 100 mil euros, um valor manifestamente insuficiente para cobrir os prejuízos resultantes do incêndio (só os danos patrimoniais de 100 lesados estão estimados em 800 mil euros). Por seu lado, a presidente da PédeXumbo, Marta Guerreiro, afirmou que os procedimentos de limpeza ao longo dos quatro anos que o festival decorreu em Castelo de Vide “foram sempre efectuados da mesma forma”.

Próxima edição do Andanças em risco

A presidente da PédeXumbo, Marta Guerreiro, a associação que organiza o Andanças, assume que ainda não está garantida a realização da próxima edição do festival, no Verão deste ano. “Ainda estamos a analisar a viabilidade de fazer o Andanças com os parceiros locais”, adiantou ao PÚBLICO, admitindo que uma das possibilidades é o evento deixar a Barragem da Póvoa, concelho de Castelo de Vide, onde decorreu nos últimos quatro anos. Marta Guerreiro admite a possibilidade do festival não se realizar este ano “se não estiverem reunidas as condições essenciais”, associando as dificuldades não só ao incêndio do ano passado, mas também à visão que a sua direcção tem do evento. “Este mês vamos fechar esta questão”, assegurou. 

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