PPP de Cascais: nem poupança nem melhor saúde

A discussão sobre a prestação de cuidados de saúde não deveria ser feita em torno de quem poupa mais. Deveria, pelo contrário, ser feita em torno de como garantir melhor acesso e melhores cuidados de saúde a todas as pessoas.

Muito se tem debatido a questão das parcerias público-privadas (PPP) na Saúde. Quanto mais se debate, mais se percebe que estas parcerias com privados não trazem nenhum benefício ao contribuinte ou ao utente, muito menos ao SNS [Serviço Nacional de Saúde] ou ao Estado. Não são justificáveis do ponto de vista económico, muito menos do ponto de vista de qualidade.

Comecemos por analisar a questão económica. Um relatório encomendado pelo Governo à Unidade Técnica de Acompanhamento de Projectos (UTAP) diz que “a PPP atualmente em vigor no Hospital de Cascais permitiu uma poupança acumulada, no período 2011-2015, de aproximadamente 40,4 milhões de euros, face aos custos clínicos de gestão pública, estimados de acordo com o CPC [custo público comparável] atualizado”.

Quer isto dizer que a PPP de Cascais trouxe poupanças para o Estado? Não, não quer. É que o CPC é apenas uma estimativa sobre quanto o Estado previa gastar com a gestão do hospital de Cascais. Portanto, o que a UTAP revela é que a PPP de Cascais poupou em relação a uma estimativa. Mas e comparando com a realidade e não com cenários? Nessa comparação a PPP de Cascais revelar-se-á mais cara para o Estado.

Em 2015, o SNS pagou aos hospitais públicos 44 euros por cada primeira consulta; à PPP de Cascais pagou 79 euros (um custo 82% superior). A consulta subsequente foi paga aos hospitais públicos a 44 euros, enquanto à PPP de Cascais se pagava a 59 (um custo 36% superior). Nas urgências, enquanto os hospitais públicos receberam 54 euros por cada atendimento, a PPP de Cascais recebeu 69 (29% a mais); para além disso, foi pago à PPP de Cascais mais 3,62 milhões de euros só para garantir a disponibilidade do serviço de urgência, valor que não foi pago aos hospitais públicos com serviço de urgência semelhante.

Feitas as contas, o Hospital de Cascais foi, em 2011, 4,1 milhões de euros mais caro; em 2012, 10,4 milhões mais caro; em 2013, 13,6 milhões de euros mais caro; em 2014, 13,9 milhões mais caro e, em 2015, 9,3 milhões de euros mais caro. Em cinco anos, o Estado gastou mais 51,3 milhões de euros com a PPP de Cascais para contratualizar os mesmos serviços que contratualiza com os hospitais de gestão pública.

Um outro indicador utilizado para aferir a eficiência dos hospitais é o do doente-padrão. O relatório da UTAP dedica uma extensa análise a esta questão, comparando a PPP de Cascais com um grupo de referência composto por vários hospitais públicos de dimensão e diferenciação semelhante.
Há pelo menos dois factos a realçar: 1) em nenhum dos anos analisados (2011 a 2015) a PPP de Cascais foi o hospital mais eficiente, havendo sempre algum hospital público a apresentar menos encargos por doente-padrão; 2) nos anos de 2013 e 2014 (dois dos cinco anos analisados) a PPP de Cascais apresenta maiores custos por doente-padrão do que a média dos hospitais públicos.
Se compararmos o financiamento do SNS por doente padrão nos últimos três anos, tendo por comparação o hospital PPP de Cascais e o grupo de referência composto por hospitais públicos, veremos mais uma vez que a PPP representou maiores encargos: em 2013, o SNS financiou o doente-padrão da PPP de Cascais em 2508 euros, enquanto financiava os hospitais públicos comparáveis em 2441; em 2014, o financiamento à PPP de Cascais foi de 2452 euros, enquanto aos hospitais públicos foi de 2266; em 2015, o financiamento à PPP foi de 2314 euros, enquanto os públicos foram financiados em 2214. Neste aspeto, e tendo em conta os últimos três anos, a PPP de Cascais representou um encargo adicional para o SNS de 9,6 milhões de euros.

Mas a discussão sobre a prestação de cuidados de saúde não deveria ser feita em torno de quem poupa mais. Deveria, pelo contrário, ser feita em torno de como garantir melhor acesso e melhores cuidados de saúde a todas as pessoas. Se nos orientarmos apenas pelo critério “poupança”, então o melhor hospital é aquele que não presta cuidados de saúde. Não deve ser isso que queremos para o nosso Serviço Nacional de Saúde, pois não?

Vejamos então alguns indicadores sobre acesso e segurança na prestação de cuidados de saúde, recorrendo aos dados da Administração Central dos Sistemas de Saúde (ACSS). Na PPP de Cascais apenas 66,9% das primeiras consultas são realizadas dentro do tempo (classificando-se em 9.º entre os hospitais do mesmo grupo). No caso das cirurgias, há três hospitais públicos do mesmo grupo com resposta mais atempada.

A PPP de Cascais é a pior do seu grupo no que toca a casos de sépsis pós-operatória (2668 casos por cada 100 mil intervenções, enquanto o melhor hospital apresenta 357 casos em 100 mil) e um dos piores hospitais quanto a lacerações nos partos vaginais instrumentados (com uma percentagem de 3,73%, enquanto os quatro melhores hospitais do mesmo grupo apresentam uma percentagem de 0%).

Há ainda outras limitações evidentes na PPP de Cascais, como o facto de não ter um serviço de oncologia ou de psiquiatria comunitária. No primeiro caso, encaminha os doentes oncológicos da sua área de influência para o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), obrigando estes utentes a deslocações permanentes. No segundo caso, coloca em risco a prestação de cuidados de saúde a muitos utentes psiquiátricos que deixam de ser acompanhados ou veem os seus tratamentos descontinuados.

Com todos estes factos é cada vez mais evidente que aos defensores do Serviço Nacional de Saúde resta apenas uma solução: acabar com as PPP na Saúde.  Essa é a posição defendida pelo Bloco de Esquerda. Existe nela algum preconceito ideológico? Não. Existe, isso sim, a intenção de construir um melhor SNS com melhores cuidados de saúde para os utentes.

 

Deputado do Bloco de Esquerda

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