Coesão e assimetrias: o curioso caso da Alexandre Herculano

Não pode este governo ou qualquer outro favorecer sempre os mesmos e sobretudo quem não colabora, recusa acordos universais, reivindica apenas com a visão e a ambição do seu próprio umbigo.

Alexandre Herculano e Latino Coelho foram dois notáveis intelectuais portugueses do século XIX. Tendo-se notabilizado como jornalistas, escritores e políticos, foram as suas figuras escolhidas como patronos de dois importante liceus, que são hoje a Escola Secundaria Alexandre Herculano, no Porto, e a Escola Secundaria Latino Coelho, em Lamego.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Alexandre Herculano e Latino Coelho foram dois notáveis intelectuais portugueses do século XIX. Tendo-se notabilizado como jornalistas, escritores e políticos, foram as suas figuras escolhidas como patronos de dois importante liceus, que são hoje a Escola Secundaria Alexandre Herculano, no Porto, e a Escola Secundaria Latino Coelho, em Lamego.

Também estas escolas têm um historial com fortes similitudes: são herdeiras do passado e pergaminhos dos liceus do século XVIII que as antecederam; tiveram novas instalações na primeira metade do século XX, com projectos de arquitectos de renome. A Alexandre Herculano em 1921 com projecto de  Marques da Silva e a Latino Coelho em 1937 com projecto de Cottinelli Telmo. Ambas têm dimensão e número de alunos semelhante, cumprem função de igual relevância no contexto da escola pública nos seus municípios, têm necessidade urgente de obras de reparação e tiveram projectos aprovados na "Parque Escolar" com estimativa orçamental na ordem dos 15 milhões de euros.

As duas estão inscritas no mapeamento dos edifícios escolares a reabilitar no âmbito do Norte 2020: a Alexandre Herculano com 6 milhões de euros e a Latino Coelho com 4 milhões de euros. Sendo edifícios com estrutura e dimensão similar e com apenas 15 anos de diferença, apresentam patologias similares ao nível da cobertura, caleiras, caixilharias, rebocos, pavimentos e outros revestimentos, sanitários, estrutura tecnológica, etc.

E aqui terminam as semelhanças e começam as diferenças... Primeira: a secundária Latino Coelho, apesar dos seus 80 anos, ainda apresenta condições de funcionamento no limiar do aceitável; a Alexandre Herculano tem um estado de conservação que compromete a sua utilização por professores, funcionários e alunos e a normalidade do trabalho lectivo. Segunda diferença: a Latino Coelho tem sido objecto de conservação regular e objecto de melhoramentos (um novo auditório e uma nova biblioteca) executados com recursos próprios do orçamento da escola. Já a Alexandre Herculano foi abandonada à sua sorte, sendo que degradação provoca mais degradação, abandono provoca mais abandono, vandalismo provoca mais vandalismo. Terceira diferença: Sendo verdade que a responsabilidade de manutenção das escolas secundárias é do governo central, não é menos verdade que os directores de agrupamento têm autonomia para diversas intervenções menores (um vidro partido não substituído resultará, inevitavelmente, numa sucessão de vidros partidos). E a comunidade educativa, representada no conselho geral (município, representantes dos professores, dos funcionários, dos alunos, associações de pais e sociedade civil), tem responsabilidade não apenas reivindicativa, mas igualmente operativa. A comunidade educativa da Latino Coelho tem reivindicado e cooperado. Quarta e última diferença: o município de Lamego assinou um protocolo com o Ministério da Educação para ser dono de obra da requalificação da Latino Coelho, assumindo a execução de um novo projecto (que reduziu o custo de intervenção de 15 milhões de euros para 4,6 milhões) e custeando 75% da contrapartida nacional, ou seja, metade da verba não coberta por fundos comunitários, sendo a outra metade assumida pelo governo. O município do Porto recusou-se a assinar o protocolo e continua a exigir que o governo assuma as suas responsabilidades e que execute o projecto da Parque Escolar.

O município de Lamego assinou este protocolo assumindo desempenhar funções e suportar custos que competiam ao governo, no pressuposto de que tal protocolo seria universal. Ou seja, que seria subscrito por todos os municípios que o entendessem e que nos outros que não subscrevessem o protocolo, as verbas objecto de mapeamento seriam aplicadas pelo governo, mas inalteradas no montante. Diga-se, em abono da verdade, que este posicionamento do município de Lamego, como o de todos os municípios do interior, não é mais do que o seguimento da colaboração que quotidianamente os município prestam ao governo na instalação, funcionamento e manutenção de serviços e equipamentos públicos da administração central no território colocando serviços e funcionários em edifícios municipais, executando obras e assumindo encargos de funcionamento corrente, que competem, apenas e só, ao governo central. 

Os municípios do interior são obrigados a assumir estes custos, sob pena de verem os últimos serviços da administração central com presença no território fecharem portas e votarem os cidadãos a um abandono e discriminação ainda mais grave. Tal não acontece no Porto. Os serviços e equipamentos da administração central são mantidos pelo governo e a Câmara Municipal pode afectar a integralidade dos recursos do município aos assuntos da responsabilidade municipal e do interesse dos seus munícipes. Correcto, mas comparativamente injusto.

Na Alexandre Herculano prepara-se a repetição da iniquidade que foi cometida pelo governo e pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) no reforço das verbas do Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano (PEDU) aos municípios do Grande Porto. Os PEDU dos grandes municípios são, comparativamente, em termos de investimento per-capita mais generosos do que os Planos de Acção para a Regeneração Urbana dos pequenos municípios. Não obstante, o governo lançou um aviso para, pasme-se, "correcção de assimetrias" na atribuição do PEDU, reforçando em mais 20 milhões de euros a verba afecta a alguns grandes municípios do Grande Porto. Não tenho dúvida que o governo e a CCDR se preparam para reforçar a verba da Alexandre Herculano em prejuízo e falta de respeito pelos municípios e escolas do interior que foram objecto de mapeamento de custos pelos mesmos critérios que levaram à atribuição de seis milhões de euros para obras na Alexandre Herculano e que assinaram de boa fé um acordo de repartição dos custos com o governo.

A eventual revisão do montante da requalificação da escola Alexandre Herculano no Norte 2020 terá que ser igualmente efectuada noutras escolas da região, em Lamego, Vila Real, Moimenta da Beira, Murça ou Moncorvo... Não pode este governo ou qualquer outro favorecer sempre os mesmos e sobretudo quem não colabora, recusa acordos universais, reivindica apenas com a visão e a ambição do seu próprio umbigo. Mais uma vez, a região norte esperava mais do Porto. E merecia mais

Presidente da Câmara de Lamego e da Comunidade Intermunicipal do Douro