E se uma aplicação lhe permitisse fugir aos turistas?

A partir dos dados recolhidos por câmaras e sensores colocados nos monumentos de uma cidade, vai ser possível gerir de forma “integrada” e “informada” o património e o fluxo de turistas. Projecto-piloto arranca em Ávila (Espanha).

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Em Portugal, a Câmara de Cascais, Parques de Sintra/Monte da Lua e a Direcção Regional de Cultura do Norte são parceiros do projecto RUI GAUDENCIO

Está numa fila para entrar numa catedral e recebe uma mensagem: "Se for agora ver o museu, não terá ninguém na fila e poderá voltar à catedral mais tarde." Saber, em tempo real, que locais históricos estão cheios e onde existem mais filas vai ser possível através da aplicação móvel  do projecto Smart Heritage City (SHCity), que está a ser desenvolvido por um consórcio tecnológico internacional ao qual pertence a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL).

O projecto, apresentado esta segunda-feira, vai disponibilizar uma aplicação para turistas, com dados para poder fugir aos locais mais cheios e sugestão de percursos alternativos, e uma aplicação para gestores de património, com informação para melhor gerir o dia-a-dia. Um primeiro teste está a ser feito na cidade espanhola de Ávila.

Para além da possibilidade de saberem quando tempo tem de esperar numa fila, os turistas podem ter acesso a percursos menos conhecidos, para que “não sigam necessariamente os circuitos mainstream”, adiantou João Martins, responsável da FCT/UNL pelo projecto.

Nas palavras do docente, “o projecto junta o conceito de smart city ao património”: usa tecnologia para recolher dados e a partir deles produzir informação que seja útil ao controlo de fluxos turísticos e gestão e preservação de património. Os dados vão ser recolhidos por sensores e câmaras instalados nos edifícios históricos. Falamos, por exemplo, de dados sobre temperatura, humidade, contagem e movimento de pessoas.

Mas falamos também de térmitas da madeira. Sensores colocados nos edifícios e peças de madeira permitem saber se este está a ser corroído. Com sensores nas muradas e paredes percebe-se se há um movimento estrutural dos edifícios. “Este tipo de informação vai permitir actuar de forma integrada, mais rápido e conhecer problemas que, de outra forma, só conheceríamos quando o património já estivesse destruído”, clarificou Rosa Ruiz, responsável pelo património do município de Ávila. Proteger e prevenir são dois dos objectivos.

A aplicação é, assim, um instrumento de trabalho para gestores de património. João Martins apontou outras vantagens. Havendo uma menor concentração de turistas, diminui o stress e aumenta a eficácia do trabalho nestes locais. Sabendo o número de visitantes, os gestores dos monumentos podem tomar decisões mais informadas, como saber a que horas e como devem limitar as entradas. “Aprender quais os dias e as horas com mais afluência permite gerir melhor um espaço”, acrescentou João Martins.

Parte da tecnologia usada é “feita em casa”, pelo Centro de Investigação do Departamento de Engenharia Electrotécnica da faculdade, como adiantou o director da FCT/UNL. “Há uma linha de investigação dos sensores e dos dispositivos de reconhecimento de imagem a serem desenvolvidos neste projecto”, referiu Fernando Santana.

Próximo passo: escala regional

O SHCity surge de um projecto semelhante em edifícios, o SHBuildings, que cresceu para a escala da cidade. Agora, financiado em cerca de 1,2 milhões de euros pelo programa europeu de cooperação em áreas de inovação Interreg Sudoe, o SHCity conta com a participação de uma equipa multidisciplinar de profissionais espanhóis e franceses.

Iniciado em Julho de 2016, tem duração de dois anos e meio. Daqui a um ano, a equipa espera ter a aplicação a funcionar em pleno na cidade-piloto e começar a expansão para outros centros urbanos europeus.

Em Portugal, a FCT/UNL trabalha em parceria com a Câmara de Cascais, Parques de Sintra/Monte da Lua (gestora do Palácio da Pena, um dos mais visitados do país) e a Direcção Regional de Cultura do Norte (DRCN, detentora de sete museus na região norte). Só assim foi possível que a equipa universitária compreendesse as necessidades do lado dos gestores de património.

O próximo passo é chegar à escala regional. Existe já uma candidatura para começar o SH Regional, dentro dos mesmos moldes, que João Martins acredita serem “sustentáveis.” "É um modelo pensado para crescer. É preciso dinheiro para investir, mas os ganhos no património chegam a ser intangíveis, não se conseguem contabilizar”, concluiu João Martins.

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