Trump, tornando a América pequena

A nação com maior responsabilidade no mundo é repentinamente conduzida por um decisor descontrolado, desconhecedor.

Quando olho o dirigente da Coreia do Norte vejo um indivíduo inteligente, sádico, arrogante, compulsivamente narcisista, ditador porque não sabe ser líder, humanamente insensível, com uma capacidade aparentemente infindável de cometer erros e destruição, que ameaça ferozmente numa estratégia que é, essencialmente, de extorsão internacional. Não fico excessivamente preocupado porque esse dirigente, cujo comportamento se aproxima da insanidade, vive num país proscrito da cena mundial, parcialmente isolado. Subitamente, tenho dificuldade em evitar identificar várias semelhanças com o dirigente do país mais poderoso do mundo, interligado e planetariamente influente. Neste caso fico mais preocupado, porque se trata de um país que respeito e que influencia profundamente o que se passa no mundo. E, neste caso, as consequências serão reais, dramáticas e planetárias. Subitamente, enfrentamos um novo problema mundial.

Os Estados Unidos (EUA) são uma nação grande há mais de dois séculos. Agora, um Presidente parece apostado em torná-la pequenina. A dimensão dos EUA transcende a vertente material. Apesar de manchas negras que contaminaram a sua história (e a de muitos países), como a escravatura e o racismo, este país projetou mundialmente uma ascendência moral, de valores, de princípios. A fundação americana assenta em alguns dos documentos mais puramente democráticos e libertários da história da humanidade. Mas em pouco mais de uma semana o novo Presidente conseguiu destruir uma boa parte dessa herança centenária de valores e de respeitabilidade.

O primado dos cidadãos soçobra, como nunca antes, aos caprichos de alguns indivíduos que convergem na Casa Branca. Da liberdade passou-se ao medo. A liberdade de pensamento e de opinião pode agora pagar-se caro. O respeito pela separação de poderes sucumbiu quando a Procuradora Geral em funções foi sumariamente demitida porque, como se inscreve nas suas obrigações, considerou ser ilegal uma ordem emitida pelo Presidente. A lei é desprezada. A represália e o medo ascendem.

É aqui que começa o atrofiamento dos EUA. É desta forma que Donald Trump está violentamente a destruir o legado de honorabilidade de uma grande nação. E, assim, confere-lhe uma imagem desprestigiada, patética, amadora, disfuncional, segregando disparates com uma rapidez estonteante. Em vez de engrandecer os Estados Unidos como prometeu, Trump está a transformar o seu país numa nação bem pequenina, risível, com comportamentos políticos erráticos, autoritários, repressivos e impreparados como seria típico num pequeno país terceiro-mundista. Trump invoca os valores norte-americanos enquanto os envergonha.

E, contudo, o povo norte-americano continua a ser uma nação avassaladora, impressionante, mesmo que uma parte dela tenha eleito uma figura que a corrói e ridiculariza. O povo norte-americano vai ter, agora, que pensar como irá impedir a sua destruição.

Infelizmente, este é apenas o início. E nos círculos do poder americano sentem-se dinâmicas e personagens  potencialmente tenebrosas. Enquanto a opinião pública se concentra na questão da proibição temporária de entrada de muçulmanos de origens selecionadas, algo muito mais tenebroso germina. A situação é tão grave e perigosa que talvez seja precipitado presumir-se que nenhuns elementos da equipa de Trump partilham inconfessadamente um súbito temor pelo que veem nos bastidores.

A nação com maior responsabilidade no mundo é repentinamente conduzida por um decisor descontrolado, desconhecedor. Trump prepara já a sua próxima candidatura mas duvido que chegue ao final deste mandato.

Este Presidente partilha com a extrema-direita e a extrema-esquerda o primário ódio patológico pela globalização e pela liberalização do comércio mundial, cujos efeitos são muito diferentes do que aqueles extremos supõem. No curto prazo, as antiquadas medidas protecionistas de Trump darão uma sensação de ganhos simbólicos aos americanos. A médio e longo prazo as consequências para a economia norte-americana serão devastadoras. A redução de economias de escala tenderá a diminuir a especialização produtiva e a alargar a base produtiva para faixas de menor vantagem comparativa, acumulando ineficiências e perda de competitividade na economia. O encarecimento de bens terá um impacto de crescente descontentamento na população. O impacto será inevitável nas taxas de juro e a massificação na construção de infraestruturas aumentará a dívida nacional. Lamentavelmente, a visão económica de Trump poderá induzir uma nova pressão recessiva na economia mundial, que nos afetará.

Como se a segurança internacional não fosse já um repositório de problemas, os Estados Unidos, que sempre quase todos esperam para se proteger, passam agora, sob a condução de Trump, a ser uma terrível incógnita que poderá gerar situações extremamente graves. Desde o Médio Oriente ao Pacífico existe um arco de tensões prestes a explodir. Por exemplo, a tensão centrada nas ilhas Spratly e Paracel, com a China, poderá gerar uma convulsão mundial que Trump parece incapaz sequer de perceber.

A volatilidade caprichosa de Trump está a retirar aos Estados Unidos qualquer capital de credibilidade e de confiança mesmo junto dos seus mais tradicionais aliados. A verdade é que basicamente ninguém confia em Trump, que se ilude totalmente quando imagina que Vladimir Putin confia genuinamente nele. Não, não confia, mas é mais inteligente que Trump e sabe como manipulá-lo. Junto de Putin, Trump é um aprendiz.

A retração dos Estados Unidos para o seu interior acelerará a ascensão da China como superpotência e ceder-lhe-á áreas estratégicas cujo relativo vazio os chineses ocuparão. A retirada norte-americana da Parceria Trans Pacífico é um erro que a China também agradece, enquanto Trump, pela sensação de melhor preservar o seu mercado interno, perde condições preferenciais nas gigantes novas classes médias asiáticas em formação.

O que se desenvolve nas sombras tenebrosas da equipa restrita de Trump, sob um presidente volátil e impreparado, é algo que assusta. Espero que não chegue o dia em que o mundo tenha que se unir contra os Estados Unidos de Trump, um país admirável com um povo e um legado de valores e realizações sem paralelo.

 

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