Moreirense: o campeão de Inverno nasceu no coração da indústria têxtil

Em Moreira de Cónegos, onde vivem um pouco mais de 5500 pessoas, ainda se rejubila com o clube de futebol da terra que venceu a Taça da Liga no fim-de-semana passado. A história do Moreirense confunde-se com a da indústria têxtil nesta vila situada no coração do vale do Ave.

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Pedimos licença para interromper o jogo de dominó no Bar do Moreirense. “Bem-vindo a Moreira de Cónegos”, responde Joaquim Guimarães, um septuagenário que há 45 anos vive na vila. Todas as tardes encontra ali os amigos para umas partidas do passatempo favorito e aproveita para partilhar “uma ou duas garrafas” de vinho verde. Nota-se o hábito do jogo: nem por um momento desvia os olhos das pedras enquanto explica o motivo pelo qual acredita que o clube de futebol da terra venceu a Taça da Liga, no fim-de-semana passado: “Aqui temos garra, temos paixão e cerramos os dentes na hora do jogo.” “Somos operários”, sintetiza.

A história do Moreirense confunde-se com a da indústria têxtil nesta vila situada no coração do vale do Ave. Desde a sua fundação à gestão do clube nos anos mais recentes, há sempre trabalhadores e industriais envolvidos nos principais feitos. E há uma ética operária que é recorrente na hora de ajudar a explicar o sucesso da equipa que, com um triunfo (1-0) sobre o Sporting de Braga, foi a primeira a reclamar o título de Campeão de Inverno que a Liga de Futebol atribuiu ao vencedor da Taça da Liga.

É com ideias semelhantes às de Joaquim Guimarães que Manuel Lopes, outro habitué do dominó no bar com vista sobre o relvado do estádio, analisa o sucesso do clube: “Sabe por que eliminámos o FC Porto e o Benfica? Porque trabalhámos para isso. O Moreirense é como um trabalhador: para ganhar o seu dinheirinho, tem de suar. Um rico não precisa. E os grandes também acham que as camisolas ganham os jogos.”

Entender a região

Nos últimos anos, outros clubes de localidades pequenas chegaram à I Liga, mas tanto Arouca (uma vila com 5200 habitantes) como Tondela (cidade com 4500 moradores) são sedes de concelho. Moreira de Cónegos, onde vivem um pouco mais de 5500 pessoas, pelo contrário, faz parte do concelho de Guimarães e não é sequer a sua vila mais populosa. Para começar a entender o sucesso do Moreirense, é preciso começar por entender esta região.

Guimarães é um município sui generis, com dois terços da população a viver fora da sede do concelho e nove vilas. Moreira de Cónegos, que tem cinco quilómetros quadrados, tem esse estatuto desde 1995. “Temos uma identidade muito forte, mas não deixamos de ser vimaranenses”, sublinha Paulo Renato Faria, presidente da junta de freguesia de Moreira de Cónegos e adepto do Moreirense desde os tempos de criança quando estudava em Braga e o pai o ia buscar a cada duas semanas para ver os jogos do clube.

Aqui, como nos concelhos vizinhos de Vizela e Santo Tirso, com os quais Moreira faz fronteira, vive-se ainda da indústria têxtil que, mesmo depois de uma sucessão de crises, continua a representar quase dois terços da sua economia e a ser o principal empregador. Também a fundação do Moreirense, em 1938, está ligada ao sector. Foi um grupo de trabalhadores da Fábrica Têxtil da Cuca, uma empresa centenária que fechou em 2004, que decidiu criar um clube de futebol. A firma era então de tal modo importante que tinha o seu próprio apeadeiro na linha de caminho-de-ferro de Guimarães (onde ainda hoje a CP efectua paragens) e chegou a empregar mais de mil trabalhadores.

Adriano Miranda/Público
Bar dos sócios do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Bar dos sócios do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Treino dos Júniores do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Treino dos Júniores do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Bar dos sócios do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Treino dos Júniores do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Treino dos Júniores do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Treino dos Júniores do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Treino dos Júniores do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Bilheteiras do Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas Adriano Miranda/Público
Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas Adriano Miranda/Público
Treino dos Júniores do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Adepto do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas Adriano Miranda/Público
Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas Adriano Miranda/Público
Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas Adriano Miranda/Público
Bar dos sócios do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Treino dos Júniores do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Treino dos Júniores do Moreirense Futebol Clube Adriano Miranda/Público
Estádio Comendador Joaquim de Almeida Freitas Adriano Miranda/Público
Junta de Freguesia de Moreira de Cónegos Adriano Miranda/Público
Moreira de Cónegos Adriano Miranda/Público
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Adriano Miranda/Público

A fundação do Moreirense teve o apoio do sócio-gerente da Cuca, Francisco Félix, um empresário portuense que pertencia aos órgãos sociais do Boavista, o que acabaria por influenciar a opção do clube por camisolas axadrezadas. Nesses primeiros anos, o Moreirense não era um clube-empresa, como houve outros em Portugal – casos do Riopele, em Famalicão, ou a CUF, no Barreiro, que chegaram a jogar na I Divisão nos anos 1970 – mas os futebolistas que ali jogavam vinculavam-se à fábrica da Cuca com o compromisso de actuar pelo emblema.

Nas décadas de 1950 e 1960, o clube passaria por um hiato de competição. Quebrou-se a ligação umbilical com a Fábrica da Cuca, mas não com a têxtil. Quase todos os presidentes do clube desde o reinício da actividade em 1970 foram empresários do sector. O próprio estádio do clube, o Parque Desportivo Joaquim de Almeida Freitas, com capacidade para 6 mil pessoas, homenageia um dos maiores empresários da região, cujos filhos dividiram entre si a gestão do clube até 1996.

Esse foi um ano viragem para o clube, com Vítor Magalhães a assumir a sua presidência. Para entender o sucesso do Moreirense, é preciso também conhecer este homem, empresário feito na indústria têxtil, mas que hoje gere um grupo com interesses diversificados que vão do imobiliário à agricultura, movimentando 110 milhões de euros por ano. O presidente gosta pouco de protagonismo e até pediu para não ser fotografado. Também recusa a ideia de que seja um homem providencial para o clube da vila onde nasceu há 65 anos e onde continua a viver. “O sucesso é colectivo, nunca é individual”, repete ao longo da conversa com o P2.

O que é certo é que foi com Magalhães à frente dos destinos do Moreirense que o emblema verde e branco fez, por duas vezes, o caminho entre a II Divisão B e a I Liga, a primeira das quais em 2002/03, quando se estreou na principal competição futebolística nacional. O empresário abandonou brevemente o clube em 2005 para assumir a presidência do Vitória de Guimarães, o principal emblema do concelho. Sem ele, o Moreirense voltou à 2.ª B. Quando regressou à liderança, trouxe o clube novamente ao convívio com os grandes.

Um clube pequenino, mas cumpridor

Desde há cinco anos que Vítor Magalhães deixou de ter necessidade de injectar dinheiro no clube. “Conseguimos transformar um clube que vivia de mecenato de gente que tinha algum dinheiro num clube auto-suficiente. Se não fosse assim, um dia este trabalho ia todo por água abaixo”, explica. Hoje, o Moreirense sobrevive com um orçamento de cerca de 3,5 milhões de euros anuais, que são na sua maioria cobertos pelo dinheiro dos direitos televisivos.

“Somos um clube pequenino, mas cumpridor”, valoriza Magalhães. Nos últimos anos, o futebol português tem sido fértil em notícias de salários em atraso e dívidas dos clubes ao fisco e à Segurança Social, mas o Moreirense tem passado sempre ao lado desses problemas.

Outra ideia que o presidente do Moreirense reitera é a de que este é um clube com valores: “Respeito pelo ser humano e educação.” Antes do treino do escalão de iniciados comprova-se isso mesmo. À medida que os jovens jogadores vão chegando ao balneário junto ao relvado sintético, com os sacos verdes com o símbolo do clube a tiracolo, cumprimentam, um a um, todos os presentes. Incluindo os jornalistas, que são caras desconhecidas.

“Passamos uma ideia de respeito aos nossos atletas”, confirma Emídio Magalhães, que desde 2013 coordena o futebol jovem do clube, depois de uma primeira passagem no início deste século. A formação é um dos grandes motivos de orgulho do Moreirense. Todos os dias, 300 crianças e jovens treinam-se nas instalações do clube e daquelas camadas jovens saíram André Micael, o “capitão” da equipa principal que levantou o troféu da Taça da Liga no domingo passado no Estádio do Algarve, Pedro Mendes, avançado com idade de júnior, mas que já está integrado no plantel sénior, e Ricardo Almeida, que esta temporada joga no Sporting B.

“É um clube pequenino, mas está bem servido em termos de qualidade de infra-estruturas e pessoas”, garante Emídio Magalhães, que tem quase 40 anos como técnico de futebol de formação. A maior parte desse tempo passou-o no Vitória de Guimarães. Separados por oito quilómetros, os dois emblemas tinham quase tudo para ser rivais, mas têm uma boa relação. “O Vitória é o maior clube da região. As pessoas de Moreira gostam do Vitória e muitas até são sócias dos dois clubes”, explica.

No regresso a casa depois do triunfo no Algarve, o Moreirense foi recebido na Câmara Municipal de Guimarães. Entre os convidados, estava o presidente do Vitória, Júlio Mendes, e, no meio da emoção, Vítor Magalhães desejou que a Taça da Liga fosse apenas o primeiro troféu a viajar para o concelho este ano. O Vitória está na meia-final da Taça de Portugal, onde defrontará o Desportivo de Chaves. “Foi sincero”, diz agora o presidente do Moreirense. “Já não tenho idade para andar no futebol com hipocrisias.” 

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