A orquestração do país dos relógios

Em pleno Ano Britânico, um panorama da música suíça na Casa da Música.

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David Philip Hefti MANU THEOBALD/ERNST VON SIEMENS MUSIKSTIFTUNG

Após um primeiro impacto, em que o que mais se destacou pela positiva foi a prestação de um trompete, o concerto de sábado da Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música (OSPCdM) foi, de algum modo, progredindo em interesse.

Em Ano Britânico, o concerto que a Casa da Música anunciou como o dos "cinco suíços" (já que, além dos quatro compositores do programa, também o maestro, natural de Berna, tem nacionalidade suíça), encerrou com uma obra do impressionismo francês: três estudos para piano de Claude Debussy com uma orquestração de Michael Jarrell (Genebra, 1958). Não obstante este género de francofilia, acentuada ainda pelo facto de um dos compositores abordados, Arthur Honegger, ter vivido a maior parte da sua vida em França, onde nasceu e morreu (sem abdicar da nacionalidade suíça, que herdou de pai e mãe), foi bem a música dos compositores suíços e, sobretudo, a sua hábil orquestração, que sobressaiu do programa apresentado no final da tarde de sábado.

Exceptuando a nível harmónico, no qual se posiciona próximo de uma politonalidade com numerosas resoluções tonais, a Sinfonia nº 1 (1930) de Honegger (1892-1955) apresenta características marcadamente clássicas. Apesar da aparente energia do maestro Stefan Blunier, a OSPCdM não atingiu o plano em que, de uma partitura de interesse limitado, se faz surgir música (não querendo isto dizer que não ocorreram momentos positivos na execução da mesma).

Duas transcrições de Liszt (1986) deram-nos conta de uma belíssima orquestração de Heinz Holliger (Langenthal, 1939) para as peças do compositor húngaro, para piano, Nuages gris e Unstern!, assim como de uma certa incúria na afinação por parte de algumas madeiras e contrabaixos.

Após o intervalo, foi também no domínio da orquestração que se destacou o trabalho do compositor David Philip Hefti (São Galo, 1975) na sua obra Changements (2011). Caracterizada por um cuidadoso trabalho de modulação tímbrica, a peça vive da composição de delicadas harmonias enriquecidas pela composição (determinadas notas passam de uns instrumentos para outros como, logo ao início, da harpa para a tuba e para os contrabaixos ou, mais tarde, de sinos para cordas), recorrendo ainda a um jogo de espaço no interior do palco. Contagiada pela luminosidade da obra (com momentos sombrios a que a fabulosa orquestração arrancava brilho), a própria orquestra teve um desempenho mais bem sucedido do que na primeira parte do concerto.

Também nos Três estudos do II Livro de Debussy (Pour les notes répétées, Pour les sonorités opposées, Pour les accords), orquestrados pelo pouco tocado entre nós Michael Jarrell, a orquestra cumpriu convictamente o seu papel.

Para um retrato um pouco mais optimista (e actual) da música suíça, em lugar de Honegger poderia ter-se optado por apresentar o compositor ainda vivo Klaus Huber (Berna, 1924) e, mais cosmopolita e singular, Beat Furrer (Schaffhausen, 1954).

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