Os pais de Maddie e o ex-inspector da Judiciária em tribunal

Silenciar opiniões, mesmo que injustas, não é nada saudável!

Discordo frontalmente da teoria defendida pelo ex-inspector  da Polícia Judiciária Gonçalo Amaral sobre o eventual envolvimento do casal McCann na desaparição da sua filha.  Para mim, os pais de Maddie são merecedores de compaixão e não de censura.

Mas estou absolutamente de acordo com a recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que confirmou a absolvição do ex-inspector Gonçalo Amaral no processo judicial que lhe foi movido pelo  casal McCann por ter escrito e publicado o livro Maddie – A verdade da Mentira e o respectivo DVD .

Gonçalo Amaral fora condenado, na 1.ª instância, a pagar  250 mil euros a cada um dos progenitores de Maddie pelos danos morais que lhes causara, e proibido comercializar o livro  e  respectivo DVD. Para o tribunal de 1.ª instância, embora o livro mais não fizesse do que enumerar factos, na sua grande maioria já conhecidos e constantes do processo de inquérito ao desaparecimento de Maddie e a tese/opinião de Gonçalo Amaral – que não houve um rapto mas sim uma morte acidental seguida de encobrimento do cadáver a que os pais da Maddie não seriam alheios - não fosse uma novidade, ainda assim o mesmo praticara um facto ilícito com a publicação do livro pelo que devia indemnizar o casal McCann em 500 mil euros e deixar de vender o livro e o DVD.

E porque era ilícita, no entender do tribunal, a publicação do livro e do DVD ? Porque tendo sido Gonçalo Amaral, o coordenador da investigação criminal, relativa ao desaparecimento de Maddie, estava, mesmo após a sua aposentação, sujeito ao dever de reserva imposto aos funcionários em serviço na Polícia Judiciária; pelo que, numa situação de conflito da sua liberdade de expressão com os direitos ao bom nome e reputação do casal McCann, face aos resultados da investigação, Gonçalo Amaral tinha de ceder.

O Tribunal da Relação de Lisboa, pela pena dos juízes desembargadores Ferreira de Almeida, Catarina Manso e Alexandrina Branquinho o ano passado revogara esta decisão e absolvera Gonçalo Amaral já que “mal se compreenderia que um funcionário, além do mais aposentado, mantivesse os deveres de sigilo e reserva, ficando limitado no exercício do seu direito à opinião, relativamente à interpretação de factos já tornados públicos pela autoridade judiciária, e amplamente debatidos (aliás, em grande medida, por iniciativa do próprio casal MCCann) na comunicação social, nacional e estrangeira”.

Recorreram os pais de Maddie para o STJ pedindo a revogação da decisão do Tribunal da Relação e, de novo, a proibição do livro e do respectivo DVD e a condenação de Gonçalo Amaral a indemnizá-los pelos danos morais que alegavam terem-lhes sido causados. Mas, na passada terça-feira, o STJ não lhes deu razão e reafirmou o direito de o ex-inspector exprimir publicamente a sua opinião ou interpretação sobre os factos apurados no inquérito criminal que ele próprio coordenara e que em, grande parte, tinham sido publicitados pela própria Procuradoria-geral da República.

Para o STJ, o que era importante era saber como resolver o conflito entre os direitos do casal McCann ao seu bom nome e reputação, constitucionalmente garantidos e os direitos de Gonçalo Amaral e da sua editora, à liberdade de expressão e de informação, igualmente garantidos constitucionalmente. Conflito de direitos que não se pode resolver em abstracto porque todos têm igual valor na nossa Constituição mas que se deve resolver em concreto, tendo em conta nomeadamente os critérios desenvolvidos pelo Tribunal Europeu dos Direito Humanos (TEDH) na aplicação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) que é direito nacional. Não numa atitude de submissão ou de aceitação cega da jurisprudência do TEDH mas numa atitude inteligente de análise, reflexão e incorporação de um património jurídico comum europeu que nos enriquece enquanto sociedade democrática.  

E os juízes conselheiros Roque Nogueira, Alexandre Reis e Pedro Lima Gonçalves, após ponderarem exaustivamente todas as questões em apreço, não tiveram dúvidas em concluir que, neste caso concreto, na balança da justiça o prato da liberdade de expressão pesava mais do que o prato da honra e confirmaram a absolvição do ex-inspector Gonçalo Amaral.

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