Um quinto das famílias não tem acesso a uma alimentação saudável

Situação piorou na última década. Investigadores acreditam que será reflexo do impacto da crise económica

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Nuno Ferreira Santos

Cerca de 20% da população portuguesa está em situação de insegurança alimentar, o que significa que o seu acesso a uma alimentação saudável é limitado e, neste grupo, quase 2% receia mesmo não ter o que comer por dificuldades económicas. O problema é mais grave nas regiões da Madeira e dos Açores, onde a percentagem de famílias em situação em situação de insegurança alimentar ascende a cerca de 29%. São dados do projecto de investigação Saúde.Come, conduzido em 2015 e 2016 por uma equipa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e que esta sexta-feira foram divulgados.

Comparando estes dados com os resultados do Inquérito Nacional de Saúde 2005/2006, em que a prevalência de insegurança alimentar entre a população era então de 16,7%, os investigadores defendem que este agravamento da situação na última década pode "reflectir o impacto da crise económica" nas famílias portuguesas. A insegurança alimentar traduz-se na preocupação de que os alimentos venham a acabar antes que haja condi­ções económicas suficientes para a sua aquisição.

“É um sério problema de saúde pública. E tem grande tem impacto, não só na saúde das pessoas como em todo o sistema de saúde no país”, alerta Helena Canhão, coordenadora da investigação, em comunicado. As pessoas em situação de insegurança alimentar têm mais doenças crónicas – diabetes, depressão e doenças reumáticas - e, por isso, consomem mais recursos de saúde - consultas hospitalares e hospitalizações. 

1,8% das famílias portuguesas

O estudo tem por base um inquérito nacional sobre insegurança alimentar, aplicado a 5653 indivíduos com mais de 18 anos, representativos da população adulta portuguesa e que estão a ser seguidos desde 2011. No total foram 19,3% os agregados familiares que disseram estar nesta situação. Neste grupo, a maioria apresentava um nível de insegurança alimentar ligeiro (14,1%), o que significa alguma incerteza face ao acesso a alimentos ou mesmo alterações nos hábitos alimentares devido a dificuldades económicas. “Motivo de alarme é o facto de cerca de 140 mil pessoas, 1,8 % das famílias portuguesas, reportarem que as suas dificuldades económicas comprometeram a quantidade e a qualidade dos alimentos que têm disponíveis para consumo”, destaca Helena Canhão.

No ano passado, um sistema de avaliação e monitorização da situação de segurança alimentar criado pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) indicava que, em 2014, uma em cada 14 famílias portuguesas saltava refeições por não ter dinheiro, por sofrer de "insegurança alimentar grave", ou seja, não comia o suficiente por não ter meios para isso. A DGS começou a monitorizar este indicador a partir de 2011, através de um inquérito junto dos cidadãos que usam o Serviço Nacional de Saúde (SNS), o Infofamília. Mas a amostra de inquiridos não é representativa, tem um viés elevado, porque os utentes do SNS não representam a população portuguesa.

Os resultados indicavam então que a maior parte da dita insegurança alimentar era de nível ligeiro (29,7%) e moderado (9,5%). Mas a que era classificada como grave e que podia configurar casos de fome (as famílias passam por períodos de restrição na disponibilidade de alimentos) era declarada por 6,6% dos inquiridos, segundo o Infofamília  de 2014.   

Menos azeite e mais carne vermelha

Voltando ao projecto Saúde.Come, os resultados indicam ainda que a insegurança alimentar está associada a piores condições do estado de saúde, uma vez que as pessoas nesta situação dizem que compram menos medicamentos e reduzem as idas ao médico devido às dificuldades económicas.

“Os indivíduos em insegurança alimentar reportaram uma pior qualidade de vida e capacidade funcional. Revelam ainda maior propensão para doenças crónicas, como a diabetes, a depressão e as doenças reumáticas”, explica Helena Canhão. O risco de diabetes e de doenças reumáticas foi cerca de 1,6 vezes superior nos indivíduos nesta situação.

As ilhas da Madeira e dos Açores e também o Algarve foram as regiões de Portugal onde se identificou uma maior percentagem de insegurança alimentar. Na Madeira e nos Açores, a percentagem de agregados familiares em situação de insegurança alimentar chega mesmo a atingir valores perto dos 29% (29% nos Açores 28,8% na Madeira).

Outro dado que merece destaque é a menor adesão ao padrão alimentar mediterrânico destas famílias, que recorrem menos ao azeite como principal gordura utilizada para a preparação e confecção dos alimentos, consumem menos hortícolas e fruta, e preferem as carnes vermelhas e processadas.

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