“Resident Evil 7”: mansão maníaca

Lançado na semana passada, "Resident Evil 7" é um formidável regresso de uma série emblemática dos videojogos que andava descaracterizada há vários anos

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A filiação de Resident Evil 7: Biohazard de Koshi Nakanishi, lançado na semana passada, aos “clássicos” do terror interactivo é óbvia desde os primeiros momentos do jogo (dir-se-á mesmo que logo no título, pela integração do nome original da série, Biohazard, por que é conhecida no Japão). Numa piscadela de olho a Silent Hill 2, a primeira missão do protagonista Ethan Winters consiste em localizar a mulher, Mia (que se acreditava estar morta depois de desaparecida durante três anos), numa plantação aparentemente abandonada do Louisiana, motivado por um e-mail lacónico que dela recebera. Depressa estaremos a accionar mecanismos engenhosos que revelam portas secretas e a procurar resolver uma nova versão do famoso puzzle da caçadeira do jogo original da série Resident Evil, lançado em 1996.

No entanto, a fidelidade de Resident Evil 7 aos “clássicos” não se esgota na citação ou homenagem de ocasião. O jogo é assumidamente uma actualização do modelo de survival horror que Shinji Mikami, o criador da série, estabeleceu há duas décadas. As constantes passagens pelos corredores da mansão e outras propriedades da família Baker, agora ocupadas por versões dementes dos seus proprietários e pelas monstruosidades que criaram, mantêm o jogador em permanente tensão, com uma sensação de contínua insegurança, aguardando a catarse que inevitavelmente chegará. Àquele, fotografias de família, recortes de jornal, textos íntimos e objectos comuns parecerão sinais óbvios das crueldades ainda por sofrer; temerá o som dos próprios passos em soalho velho e o que poderá encontrar detrás de uma porta fechada; em gavetas e armários vazios que negam contribuição para o diminuto “inventário”, experimentará frustração. A assunção da perspectiva “na primeira pessoa” e a possibilidade (fascinante) de jogarmos gravações VHS “perdidas” acrescentam elementos distintivos ao modelo.

A família Baker, a causadora daquelas arrelias, é o verdadeiro protagonista do jogo, aquele em que realmente se investe em termos de caracterização. O jogo está, de resto, organizado em quatro grandes secções que aprofundam, cada qual, a caracterização dos diferentes membros da família. Por comparação, o protagonista Ethan é um personagem transparente, o par de olhos que nos permite observar os fascinantes Baker que, atingidos pela loucura, permaneceram a funcionar enquanto família, protegendo os seus membros e organizando-se para atingirem os novos fins psicopatas. O consumo das repugnâncias que passaram a constituir a sua dieta faz-se em refeições de família (uma alusão evidente à família Sawyer de The Texas Chainsaw Massacre de Tobe Hooper); Jack rapta e disseca turistas e “sem-abrigo”; Marguerite cozinha; o filho do casal, Lucas, um talentoso inventor, agradece as cobaias humanas em que pode testar invenções macabras; e a anciã está presente.

Depois das reedições recentes do remake de Resident Evil e de Resident Evil Zero, cuidadosamente modernizadas, e com um remake de Resident Evil 2 em desenvolvimento, a nova sequela da série parece consolidar a impressão de estar a Capcom a investir na recuperação de uma série emblemática dos videojogos que se manteve demasiado tempo descaracterizada.

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