A Praça da Alegria está à espera de algo que lhe faça jus ao nome

Enquanto uns estão certos de que a Praça da Alegria “está morta” e não é seguro ter a porta aberta quando a noite cai, outros vêem um espaço que ressurgiu na rota dos lisboetas e dos turistas nos últimos anos e esperam pela requalificação prometida pela câmara.

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Privados mobilizam-se para a reabilitação da Praça da Alegria Nuno Ferreira Santos

Tina Mendes, de 58 anos,não tem dúvidas: a Praça da Alegria perdeu o que lhe dá nome. “Agora é uma tristeza. A nossa praça morreu.” Na porta ao lado desta cabeleireira, Carlos Mendes, alfaiate de 68 anos, usa as mesmas expressões: “É uma praça morta.” Com a reabilitação da Praça da Alegria, prevista para “depois de 2017” no âmbito do programa “Uma Praça em cada Bairro”, a Câmara de Lisboa quer privilegiar os percursos pedonais, descongestionar a circulação rodoviária, criar um parque infantil e esplanadas, mas, para já, o marasmo dos últimos anos marca ainda o ambiente deste largo.

Tina e Carlos vieram no mesmo ano ocupar as respectivas lojas viradas para a Praça da Alegria. Era 1980, o Parque Mayer era uma “loucura” e havia escritórios, porta sim, porta sim. A Lusomundo tinha sede logo ao lado do alfaiate, a Federação Portuguesa de Futebol um bocadinho mais à frente. Os bombeiros tinham mais gente e havia a esquadra da polícia. Muitas lojas que vendiam peças de automóveis. “Era espectacular”, há-de repetir Tina Mendes.

Fechou o Maxime, um “Moulin Rouge à portuguesa”, e o Ritz Clube, a sala de espectáculos na Rua da Glória. No Parque Mayer, só dois dos quatro teatros estão abertos. Ficou o Hot Clube de Portugal, um dos mais antigos clubes de jazz da Europa, e o antigo Cabaret Fontória, agora bar de blues. Há quatro restaurantes no largo. Dois edifícios de alojamento local. Um hotel, amarelo e iluminado, e um outro a caminho, envolto em tapumes.

Mesmo assim, chega-se às 19h e Carlos Mendes fecha a porta à chave. Ainda faltam dez minutos e já o alarme soa quando abrimos a porta. Não se sente seguro quando a noite cai sobre a sua praça. É o comerciante mais antigo da Alegria. Por mais quanto tempo, não sabe: “Que isto vai ser vendido para um hotel vai. Se é para no próximo mês o no próximo ano é que já não sei.”

As luzes da Avenida da Liberdade são um contraste com o lado de cá. “Parece um túnel”, repara Tina. Há episódios que são para ela um “sintoma da degradação da praça”: em 2015, foi assaltada três vezes à porta daquele cabeleireiro. Antes, isso nunca lhe aconteceu. “Bons tempos em que a praça era da alegria mesmo”, suspira.

Para Carlos Mendes, a praça não está pior nem melhor que há cinco anos:“Está parada.” Pelas suas contas, chegaram a trabalhar ali perto de 1500 pessoas. Hoje são pouco mais de 20. Os prédios à volta do alfaiate têm várias casas vazias. “Então o jardim é para os tipos do hotel jogarem às cartas? Para os turistas fazem jogging? A limpeza no jardim melhorou, mas sem comércio, ninguém vem para cá, não adianta ter jardins bonitos”, exalta-se.

Um outro Carlos - apelido Lopes e 40 anos - abriu há dois o restaurante e bar Brooklyn, o único aberto neste final da tarde em que visitamos a praça. Viu-a “ganhar vida, nos últimos anos, com os restaurantes e os hotéis”, que acenderam as luzes da praça e das ruas próximas. Dizem-lhe os vizinhos que, olhando para trás, também notam a diferença.

“Desejoso” que comecem as obras previstas pelo município, Carlos Lopes acredita que “a mobilidade pedonal tem que ser valorizada”. Passeios mais largos e estacionamento nas proximidades resolviam os constrangimentos em hora de ponta na praça, suporta. O programa “Uma Praça em cada Bairro” destaca na Praça da Alegria o seu papel na distribuição do trânsito das encostas da Avenida da Liberdade e pelo estacionamento. Factores que a autarquia acredita que “colidem com a mobilidade e acessibilidade de peões, comprometendo a qualidade de fruição e vivência do espaço público.”

Neste momento está em apreciação na câmara um projecto privado para construção de um parque subterrâneo sob três prédios a reabilitar, mas não se sabe ainda se o projecto será aprovado, o que preocupa os investidores que não querem atrasar as obras nos respectivos edifícios (ver texto ao lado).

Tina Mendes não se convence com as limitações à circulação dos carros. “Veja o que fizeram à nossa baixa. Os nossos estabelecimentos estão todos entregues a outros.” E na praça, nem quer pensar se lhe reduzem o estacionamento. A maioria das clientes vem de carro, “nem sabem usar o metro”.

Só é possível falar com Cândido Martins nos intervalos de poucos minutos entre a saída e a entrada de novos hóspedes do Alegria Hotel. Há 21 anos que conhece a praça. “Há mais restaurantes. Há mais bares. Agora há mais luz”, enumera. Um “bom” ambiente para turistas. Para si, a grande mudança foi a diminuição de pessoas em situação de sem-abrigo. “Só costumamos ver um. Agora está melhor”. Está longe de ter medo de cá estar. A porta do hotel abre automaticamente com a presença de mais um casal de franceses que acaba de chegar.

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