O futuro é regressar ao passado?

Quem defende o aumento dos salários é também quem se tem batido pelo combate à fraude patronal que são os falsos recibos verdes e por mais direitos para os trabalhadores independentes.

João Miguel Tavares não gostou que eu tivesse desmontado as contas atabalhoadas que apresentou sobre o salário mínimo. Não repetirei nem os números nem os argumentos que expus no artigo que escrevi, porque Tavares não os contestou. Concentro-me nas duas teses que apresentou agora: o aumento do salário mínimo seria um exagero e que causa desemprego; o aumento do salário prejudicaria os precários e perpetuaria os recibos verdes. Nenhuma destas teses é comprovada pelos factos.

Desde logo, o valor do aumento não é de 25% (mas nem as contas são o seu forte, nem o rigor a sua preocupação), e não houve nenhum inquérito à comunidade dos economistas que autorize Tavares a falar em nome da “quase totalidade” de um campo disciplinar. Mas mais importante que isso, o valor do salário mínimo, mesmo com este aumento, continua aquém do que seria se ao longo dos anos tivesse acompanhado a inflação e o aumento da produtividade (se isso tivesse sucedido, estaria um pouco acima dos 900 euros).Este aumento do salário mínimo, de que Tavares discorda por achar exagerado e uma ideia “lunática”, é afinal apenas uma parte da compensação que é devida aos trabalhadores pelo que foi retirado ao seu salário nos anos em que ele esteve congelado. E ao dinamizar o consumo, beneficia as pequenas e médias empresas. A profecia segundo a qual o aumento criaria desemprego, repetida ao longo do último ano, é desmentida pelos números: em 2016 houve menos 68 mil desempregados e mais 92 mil postos de trabalho do que no ano anterior. 

A segunda tese também não é nova e fez escola com o governo anterior. Trata-se de retratar a realidade opondo de um lado “os trabalhadores do quadro” (nomeadamente os que recebem o salário mínimo) apresentados como uns privilegiados e, do outro, os “verdadeiros espoliados”, vítimas dos primeiros. Em vez de lutar pelo direito de uns e de outros a um contrato e à proteção social, a precarização de todos seria a verdadeira reparação da injustiça face às clivagens internas que atravessam a classe trabalhadora. Dentro desta lógica perversa, em vez de ser um aliado, o trabalhador com contrato seria o inimigo do precário. Manipulando a frustração e invocando supostos privilégios, divide-se para reinar, convocando-se o ressentimento para uma luta na qual a igualização por baixo e o retrocesso nos direitos laborais seriam um imperativo de justiça.

Ora, num relatório divulgado no início da crise, a OIT alertava que “há provas consideráveis, retiradas de estudos comparativos entre países que demonstram que não há uma relação clara entre a desregulação das normas laborais e um crescimento mais rápido da economia e do emprego” (OIT, 2009: 52). A flexibilização das relações laborais, que Tavares e a direita defendem, não contribui nem para maior justiça nem para a criação de emprego. Pelo contrário, quem defende o aumento dos salários é também quem se tem batido pelo combate à fraude patronal que são os falsos recibos verdes e por mais direitos para os trabalhadores independentes. Nunca ouvi Tavares pronunciar-se a favor dessas propostas.

Uma nota final sobre respeito. O patrão da Padaria Portuguesa identificou-se, numa entrevista ao Expresso, como “padeiro”. Suspeito contudo que nunca tenha posto a mão na massa do pão – a massa onde põe a mão é outra. Chamei-lhe por isso o “patrão-padeiro”, mas por conveniência Tavares quis tirar a palavra “patrão” e ler só “padeiro” na minha crónica, para poder acusar-me de um preconceito sobre aquele ofício. Nada mais incorreto. É a minha consideração por quem trabalha que me leva a achar indecorosas as posições do colunista e do patrão-padeiro. Tavares tem tanto respeito por padeiros e pasteleiros que acha normal sugerir-se que trabalhem 12 horas por dia e entende que 557 euros é um salário exagerado para remunerar o seu trabalho. Eu acho isso ofensivo. E é também isso – e sobretudo isso – que nos separa.

 

 

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