Alguém faz o favor de mostrar as contas (das 35 horas)?

Se o primeiro relatório veio com sete meses de atraso, quanto tempo teremos que esperar pelo segundo? E como podemos avaliar uma política sem conhecermos os dados?

Sete meses depois, Mário Centeno cumpriu a promessa: entregou à Assembleia da República - e por essa via aos portugueses - o relatório que serviu de base a uma das reversões mais simbólicas de medidas da troika: a reposição das 35 horas de trabalho na função pública. É bom que o relatório tenha chegado. É pena que tenha sido sete meses tarde demais.

Defende-se o ministro dizendo que não houve consequência, porque as contas bateram certo: a despesa de pessoal manteve-se sob controlo e o défice ficou no objectivo estabelecido. Portanto, tudo correu bem e a opção revelou-se acertada, correcto? Não sabemos. Porque Centeno mostrou este relatório, mas não mostrou o outro. Qual? O da execução. Vamos lá falar sobre isto.

Passou mais de meio ano sobre a aplicação da medida. Mais de seis meses depois de 250 entidades do Estado terem pedido ao ministro mais nove mil trabalhadores para que fosse possível aplicar a medida - até pelo facto, revelado pelo relatório, de que 68% dos trabalhadores do Estado já faziam horas extra, para garantir que o trabalho era feito. 

Foi nesta altura, lá para Março de 2016, que o Governo acordou com Bruxelas a manutenção de uma regra difícil para manter as contas sob controlo: por cada dois trabalhadores aposentados, só entraria um novo trabalhador. E também que deu seguimento à promessa de reduzir o horário de trabalho no Estado (na condição de que as contratações fossem graduais e apenas na Saúde). 

Fechado o ano de 2016, sabemos o quê? Que se aposentaram menos trabalhadores do Estado que se previa; que houve mais contratações do que se previa (pelo menos na Educação foram anunciados uns milhares); e que boa parte dessas contratações foram feitas no final do ano. 

E o que é que não sabemos? Isto: quantos recursos adicionais foram contratados? Que impacto terá nas contas do primeiro ano completo da aplicação da medida (este ano)? Se houve ou não aumento das horas extra. E até que ponto esta opção prejudicou o bom funcionamento dos serviços públicos.

Ontem, no Parlamento, Mário Centeno fez-se valer dos seus galões de bom gestor orçamental - justamente, porque cumpriu os objectivos. Mas voltou a omitir informação importante para avaliarmos a eficácia e consequências da medida que escolheu aplicar. 

Sim, o ministro tapou o sol com uma peneira. Porque governar é fazer escolhas - escolhas essas que têm consequências. Sim, claro que foi possível diminuir o horário de trabalho no Estado, porque para isso basta um decreto. Mas depois é preciso medir os efeitos, sem medo de com isso pôr em causa tudo. Quando vier o tal relatório, o segundo, logo tiramos as conclusões. Virá ele?

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