Protecção de Dados não quer menores em base nacional de criminosos

Anteprojecto de lei do Ministério da Justiça visa evitar sanções da Comissão Europeia por falhas na partilha de informações no âmbito do combate ao terrorismo. Base de dados inclui impressões digitais.

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Jovens delinquentes entre os 12 e 16 anos não estão sujeitos às mesmas penalizações que os adultos mas podem ser internados em centros educativos PAULO RICCA

A Comissão Nacional de Protecção de Dados está contra a inclusão de impressões digitais e outros dados relativos a menores de idade numa base de dados destinada a apoiar a investigação criminal. A intenção do Governo faz parte de um anteprojecto de lei sobre identificação judiciária destinado a evitar sanções da Comissão Europeia por falhas na partilha de informações entre os Estados-membros no âmbito do combate ao terrorismo.

Em Portugal os jovens entre os 12 e os 16 anos que cometam crimes não ficam sujeitos às mesmas penalizações que os adultos. Os delinquentes juvenis podem, quando muito, ser internados em centros educativos, uma vez que se considera ainda não possuírem discernimento e maturidade suficientes. Por idênticos motivos, as suas impressões digitais não fazem parte daquela base de dados, que é gerida pela Polícia Judiciária e que inclui dados tanto de criminosos já condenados como de meros suspeitos de crimes. 

Apesar de existir há várias décadas, trata-se de uma base de dados pouco regulamentada: quando surgiu, o direito à privacidade ainda não era uma preocupação. Da necessidade de aprofundar a partilha de informações entre os Estados-membros em matéria de prevenção e investigação das infracções penais mais relevantes nasceram duas directivas europeias – as chamadas decisões Prüm –, cujo cumprimento implica, porém, que este tipo de bases de dados se adeqúem às normas comunitárias de protecção de dados.

No entender da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) o anteprojecto de lei do Ministério da Justiça ultrapassa, no entanto, as exigências de Bruxelas, restringindo direitos dos cidadãos – em vez de se limitar a regular o funcionamento da base de dados da Polícia Judiciária. Desde logo, porque, no entender deste organismo, a recolha de impressões digitais e de fotografias não se restringe aos autores ou suspeitos dos crimes mais graves. “Seja ou não o tipo de ilícito em questão susceptível de ser provado com impressões digitais/palmares [da palma da mão], a lei admite a sua recolha e utilização indiscriminada quando decorra investigação criminal”, critica também a CNPD, num parecer datado de meados deste mês que não é vinculativo.

Inclusão é "pontecialmente excessiva"

Para a comissão, a introdução de dados de menores entre os 12 e os 16 anos numa base de dados com estas características é “potencialmente excessiva, sobretudo quando se considera o grau de perigosidade e as limitadas solicitações de outros países sobre informações relativas a crianças no contexto da criminalidade transfronteiriça e da luta contra o terrorismo”. Fonte ligada às autoridades discorda, recordando como essas informações podem ser úteis em casos como o de Gisberta, a transexual do Porto que morreu em 2006 na sequência de agressões de menores durante dias a fio.

Ainda assim, o Ministério da Justiça poderá estar já a equacionar um recuo no que à inclusão de dados de menores na base de dados criminal diz respeito, revela a mesma fonte. Questionada pelo PÚBLICO, a tutela deu uma resposta vaga, dizendo que “atende sempre” aos pareceres da CNPD, estando “a reanalisar o diploma para o expurgar de eventuais desconformidades com a lei.”

Outro problema levantado pela CNPD relaciona-se com o prazo durante o qual as autoridades podem estar na posse destes dados pessoais: 20 anos, independentemente do tipo de crime e de se tratar de um condenado ou de um mero arguido. Neste último caso, é “incompreensível e constitucionalmente problemática” a manutenção das amostras por tão longo período de tempo, pode ler-se no parecer, que cita jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

A Protecção de Dados suscita ainda uma questão de fundo: “Permitir que a nova base de dados seja alimentada por outras em situação de ilegalidade não poderia resultar noutro julgamento que não no de igual desconformidade legal”. Resumindo: a comissão entende que tanto a GNR como a PSP deixaram, por via de legislação entretanto publicada, de ter legitimidade legal para deter bases de dados deste tipo – apesar de as suas bases de dados também servirem para alimentar a da Polícia Judiciária, a única que CNPD considera funcionar dentro da lei.

Portugal ainda pode escapar a sanções

Tal como sucedeu noutros países, o Ministério da Justiça foi notificado pela Comissão Europeia face ao incumprimento das obrigações decorrentes das chamadas decisões Prüm, que incluem troca de informação não só em matéria de registos criminais como de registo de veículos e também de ADN. O Estado português espera ir a tempo de evitar sanções, até porque argumenta que a cooperação internacional tem sido assegurada. Espera publicar até final de Março os diplomas que permitirão o intercâmbio de dados sobre criminosos e sobre infractores das regras de trânsito relacionadas com a segurança rodoviária.

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