Um tempo diferente para o turismo

Com autarcas rendidos à gestão da coisa turística e ao contributo deste sector para a riqueza declarada e não declarada da economia nacional, é difícil pensar que nada mais se vai passar nas cidades.

Os grandes congressos, as mediáticas megafeiras de negócios e as carreiras aéreas low cost com hordas de turistas vão voltar dentro de alguns meses. Serão mais em Lisboa, mas o Porto também está na agenda. Por enquanto respiramos mas eis que Barcelona nos obriga a pensar.

Esta sexta-feira, a capital catalã aprovou uma lei que impede a abertura no centro da cidade de novos alojamentos turísticos, sejam eles hotéis ou apartamentos, mesmo que as unidades já existentes fechem. A medida, mais restritiva do que as que já foram aprovadas em outras grandes cidades europeias como Paris, Veneza ou Amesterdão, é, na verdade, um corte radical com o que têm sido os remédios que procuram uma coexistência entre a preservação da presença dos habitantes locais, a captação de turistas e receitas que animem a economia e gerem emprego. É difícil defender que os resultados de soluções mais ou menos tradicionais têm sido sustentáveis, porque há anos que o turismo deixou de ser poético e passou a reger-se pelas regras de uma indústria de massificação com forte impacto económico, social e ambiental.

Em Barcelona, terra de arquitectura singular e um património cobiçado por mais de 17 milhões de visitantes por ano, cumpre-se uma promessa eleitoral com ano e meio e muita polémica desde os radicalmente contra aos que consideram que ficou aquém do que se devia para proteger a quinta cidade europeia mais visitada, e permitir que os seus habitantes continuem a lá viver. Perdem sobretudo as cadeias hoteleiras obrigadas a abandonar os seus projectos, mesmo com licenças de construção, e todo um cluster que gira à sua volta. Ganham os movimentos de defesa dos bairros, que têm estado particularmente activos nesta luta. A oferta de alojamento turística, que se tem concentrado no centro da cidade – o Financial Times lembrava que metade da respectiva oferta está hoje confinada a 17% da área de Barcelona – agora só pode crescer nos subúrbios. Nas palavras de uma vereadora catalã, “é preciso regulação e um melhor equilíbrio”.

Os números de Lisboa, Porto ou Algarve não são os de Barcelona. Nem o tempo político é, já sem contar que de um lado a regionalização dita as decisões enquanto do outro se testa a descentralização. Por cá, as máquinas partidárias procuram candidatos, celebridades e alianças, com mais ou menos desacertos entre as estruturas nacionais e concelhias. As cidades vão andar em campanha quando o Verão chegar e as vozes preocupadas com o impacto do turismo massificado, do low cost, vão ouvir-se melhor por essa altura, especialmente contra a chamada gentrificação. No caso de Lisboa tem correspondido a uma revitalização do património à custa de uma mudança do espaço urbano em que os seus habitantes são expulsos para dar lugar a mais uma unidade hoteleira ou a mais um apartamento de aluguer a turistas. E uma cidade sem gente que nela viva serve para quê?

Os organismos ligados à promoção do turismo de congressos, por exemplo, vivem um bom momento e orgulham-se de o país estar “mesmo na moda”. Entretanto, os cofres vão enchendo com os milhões de euros de receita da taxa turística, que depois serão em parte investidos em áreas e serviços relacionados com a promoção do próprio turismo, os tuk tuk deixam de ser a gasolina, o aluguer de apartamentos através do Airbnb tem mais regras...

Há vários anos que as projecções de demografia e economia dizem que as cidades são os espaços que vão determinar ainda mais a história da humanidade, por aglutinarem o crescimento e a inovação. Com autarcas rendidos à gestão da coisa turística e ao contributo deste sector para a riqueza declarada e não declarada da economia nacional, é difícil pensar que nada mais se vai passar nas cidades.

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