O que nos une a uma criatura do mar que existiu há 540 milhões de anos?

Investigadores analisaram fósseis encontrados na China e identificaram uma minúscula criatura do mar, um grão preto com menos do que um milímetro, que poderá ser o mais antigo antepassado dos humanos.

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Reconstituição artística do Saccorrhytus baseada no fóssil encontrado na China Simon Conway Morris/Jian Han

Os cientistas que descobriram uma criatura do mar chamaram-lhe Saccorhytus coronarius porque a forma do seu pequeno corpo e a boca grande fazem com que se pareça com um saco. É uma nova espécie que foi descoberta num conjunto de pequenos fósseis encontrados na China. Num artigo publicado esta semana na revista Nature, uma equipa de investigadores defende que este minúsculo organismo, que não media mais do que um milímetro e que viveu há cerca de 540 milhões de anos, pode ser o mais antigo antepassado do homem.

Há muito, muito tempo estas criaturas viviam misturadas com grãos de areia, debaixo das águas do mar. A conclusão é da equipa que analisou o fóssil e que considerou também estar perante um dos mais primitivos exemplos de um grupo de animais com características comuns conhecido como “deuterostómios”. Segundo explicam os cientistas no artigo, esta minúscula e estranha criatura representará um dos primeiros passos da evolução que resultou nos humanos.

“Pensamos que, sendo um dos primeiros deuterostómios, poderá representar o início de uma gama muito diversificada de espécies, incluindo nós. A olho nu, os fósseis que estudámos parecem pequeninos grãos pretos, mas ao microscópio vemos que o grau de detalhe é de nos deixar de boca aberta. Todos os deuterostómios tiveram um antepassado comum e pensamos que é isso que vemos aqui”, afirma Simon Conway Morris, da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e um dos autores do artigo, citado num comunicado.

O Saccorhytus, dizem, representará um passo anterior aos peixes na história da evolução. A maioria dos grupos de deuterostómios tem cerca de 510 ou 520 milhões de anos, quando começaram a diversificar-se em vários subgrupos que incluem vertebrados, as ascídias, os equinodermos (como as estrelas e os ouriços-do-mar) e os hemicordados (pequenos animais marinhos parecidos com vermes ou minhocas), resume o comunicado. Com tantas e tão diferentes variações, era difícil encontrar um antepassado comum a todos eles.

Os autores do artigo na Nature acreditam que o ponto comum a todos os subgrupos poderá ser o Saccorhytus. Segundo defendem, os fósseis encontrados na província de Xianxim, no centro da China, são anteriores a todos os deuterostómios identificados até agora. Combinando os dados das imagens ao microscópio com o resultado de análises com equipamentos de tomografia computadorizada, a equipa conseguiu um “retrato” aproximado desta criatura do mar que tem uma aparência digna de um qualquer filme de terror.

Os cientistas revelam que analisaram toneladas de calcário para chegar aos fósseis. Por fim, perante estas pequenas criaturas questionaram-se se seria um muito antigo equinodermo ou alguma coisa ainda mais primitiva. “A segunda hipótese parece ser a resposta correcta”, diz Jian Han, investigador na Universidade do Noroeste (na China) e outro dos autores do artigo. Naquela região, adiantam, terá existido um dia um mar pouco profundo e, ali, os pequenos grãos pretos viviam entre a areia.

Qualquer desperdício sairia pela boca

O estudo revela que o corpo desta criatura era bilateralmente simétrico, uma característica que foi herdada por muitos dos seus descendentes, e coberto por uma pele fina e relativamente flexível. Estes dados sugerem que teria algum tipo de musculatura e que, provavelmente, se movia retorcendo-se. Porém, um dos seus traços mais marcantes é a sua enorme boca, de um tamanho claramente desproporcional em relação ao corpo. Servia para que o Saccorhytus se alimentasse engolindo partículas de alimentos ou mesmo outras criaturas, adianta o estudo.

Os investigadores encontraram ainda umas pequenas estruturas cónicas no seu corpo que, explicam, poderiam servir para escoar a água que engolia e que, por outro lado, podem ter sido o precursor evolutivo das guelras que hoje vemos nos peixes.

Por fim, os cientistas apresentam mais um facto curioso nesta criatura. É que, ao contrário do que acontece com os deuterostómios, que possuem duas aberturas embrionárias que mais tarde resultam no ânus (primeiro) e na boca (a seguir), os cientistas não conseguiram encontrar qualquer sinal da existência do ânus no Saccorhytus. Isto pode significar, adianta Simon Conway Morris, que qualquer desperdício sairia pela boca. Uma característica, adianta o cientista, “nada atractiva”. Sobretudo se pensarmos que podemos estar a falar do mais antigo antepassado dos humanos.

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