Holandeses vieram aprender como funciona a "geringonça"

Membros do partido de Jeroen Dijsselbloem estiveram em Portugal a estudar o funcionamento do Governo português. Saíram com ideias e políticas na cabeça, mas o panorama holandês dificilmente os deixará fazer uma coligação semelhante

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Miguel Manso
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A tradução do nome não é fácil, nem a criação do tipo de Governo, nem o método, nem as políticas. “Contaram-nos que lhes chamam isso. Não sabemos o que é, mas parece-nos que é um ‘krakende wagen’”. Se o tradutor do Google não ajuda nem a chegar perto da palavra “geringonça”, os votos dos holandeses em Março vão muito provavelmente dificultar a criação de uma por lá mas, apesar disso, estes jovens do Partido Trabalhista (PvdA) vieram a Portugal aprender a mensagem do Governo de António Costa e estudar as políticas que querem implementar.

Foram os primeiros estrangeiros a pedir reuniões com os partidos que apoiam o Governo para estudar a solução governativa que, até para eles, que são de um país habituado e defensor de coligações, é “sui generis”. “É como uma inspiração, para ver como um Governo de esquerda está a funcionar e queremos ver que medidas estão a  tomar e quais os resultados. Estão a tentar fazer coisas diferentes em termos orçamentais e na relação com as instituições europeias. Queremos descobrir se há alternativa e espalhar a palavra”, diz ao PÚBLICO Sebastian van der Vliet, presidente do think tank de jovens do partido.

O PvdA, de que fazem parte, está actualmente no Governo em coligação “púrpura” (como os holandeses chamam a governos de bloco central) com os liberais do VVD, de Mark Rutte. Têm vários ministérios importantes, entre eles o das Finanças, liderado por Jeroen Dijsselbloem, esse nome bem conhecido dos portugueses. “Todos nos mencionam esse nome”, diz Wouter, outro dos militantes e membro de um gabinete do governo holandês. Mas as coisas não estão a correr bem ao PvdA, que está a sofrer nas sondagens o desgaste da governação.

Com tantas possibilidades de coligação (há oito partidos que devem conseguir eleger acima dos 10 membros da câmara), os trabalhistas estão a olhar para outras alternativas, até porque com o voto tão volátil e disperso, o PvdA, que foi o segundo mais votado em 2012, não passa agora da oitava posição no barómetro de Janeiro. Além disso, não é previsível que Geert Wilders, do partido de extrema-direita que lidera as sondagens, consiga maioria e, para formar Governo, precisa de, pelo menos, mais um partido. Os liberais de Mark Rutte, com quem já formou Governo até 2012, seriam o mais óbvio aliado, mas Wilders quebrou na altura a coligação e agora Rutte recusa juntar-se ao polémico político holandês.

“Só por um milagre” é que o PvdA venceria as eleições e também não ficará com força suficiente para viabilizar sozinho um Governo de outro partido, mas tendo em conta o potencial panorama estilhaçado, os trabalhistas começam a achar que o melhor era virarem à esquerda. Para que isso seja possível teria de haver uma grande coligação de vários partidos, mesmo que não sejam os mais votados. E é aqui que entra o exemplo português, sobretudo na forma: “Estamos com algumas dificuldades, porque estamos no Governo com um partido de centro-direita e as pessoas não conseguem ver a diferença. Na Holanda nunca houve um Governo de esquerda. Olhando para Portugal, o que nos parece é que um Governo à esquerda é mais visível para as pessoas e funciona melhor que um governo de bloco central”, defende Sebastian.

"Vocês não culpam a imigração"

Visibilidade é aqui a palavra-chave. Além das medidas orçamentais, a maior preocupação que trazem na mala prende-se exactamente com o crescimento dos partidos de extrema-direita: “Como é que vocês não têm populismo de extrema-direita?”, perguntaram a todos os interlocutores. E de todas as respostas que foram ouvindo, elaboraram a teoria que a questão se coloca no plano das políticas económicas e não em termos culturais. “Vocês, apesar das desigualdades, não culpam a imigração. Ouvimos dizer que o nível de trabalhadores pobres é muito alto e canalizaram esse voto para o Governo. Um voto que, à partida, é dos partidos de esquerda, que têm soluções, e assim podem apresentá-las no Governo. Estão a fazer o debate numa perspectiva sócio-económica e lá [na Holanda] o debate está a ser feito numa perspectiva cultural, de anti-imigração e anti-sistema”, diz Wouter.

Mais tarde ouviriam um resumo desta ideia: “O que assistimos aqui foi ao retorno da política”, disse-lhes Ivan Gonçalves, líder da JS. E compraram-na: “Os partidos estão de acordo em coisas importantes e aceitam que há discordâncias. É uma ideia interessante perceber que eles defendem que é importante colaborar porque o país precisa”, resume Sebastian.

Apesar das boas ideias, há diferenças que não ultrapassaram. É o choque entre um país rico e um país pobre, com problemas diferentes, mas que podem aprender um com o outro, acreditam. São 12 jovens que dizem terem ficado “impressionados” com o estilo de vida português e com o Governo. Quando encontram o PÚBLICO num final de tarde, no Jardim das Amoreiras, em Lisboa, já tinham ouvido o bê-á-bá de pelo menos seis pessoas. Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, encontrou-se com eles porque era importante passar a experiência portuguesa, quando, na Holanda, há um intenso debate sobre coligações, conta ao PÚBLICO. Encontraram-se também com João Bezerra da Silva, chefe de gabinete do Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, com Francisco André, das relações internacionais do PS, com Francisco Louçã, Pedro Adão e Silva e com Luís Fazenda (pelo BE). Só não conseguiram encontrar-se com ninguém do PCP.

A ajuda ao "capital"

Estiveram em Lisboa em plena crise da descida da TSU e, apesar disso, a medida que mais ouviram os parceiros de esquerda elogiar foi o aumento do salário mínimo. Perceberam que havia um desentendimento sobre um benefício fiscal a empresas, mas eles próprios custaram a perceber por que é que o Governo defendia uma ajuda “ao capital”. Depois cederam às explicações nas Finanças e já diziam que entendiam que os problemas de Portugal são diferentes dos da Holanda, porque aqui não há capital para investir.

Se esta será uma medida que lhes servirá de pouco, registaram, para vender ao partido, a ideia dos manuais escolares gratuitos ou a redução dos apoios a escolas privadas (houve quem lhes relembrasse a redução dos contratos com os colégios). A JS falou-lhes do fim da apresentação periódica de desempregados e das medidas de combate ao desemprego jovem, mas os holandeses ficaram, sobretudo, interessados no debate sobre a experiência finlandesa do Rendimento Básico Incondicional, ou seja, o Estado providenciar um rendimento mínimo que garanta a subsistência de todos, e satisfeitos com as ideias sobre o euro.

“Há a ideia de que o euro não está a funcionar e que se não mudarmos coisas na Europa no curto prazo, o euro pode colapsar”. Pergunta inevitável: “Todos disseram isso?”. “Bom, percebemos que o euro é um assunto muito difícil para discutir”.

Perceberam que a dívida é o assunto sério, mas acenam com o problema que “o Norte tem medo do que foi feito na Grécia. Mas temos de fazer ver às pessoas que foi um investimento do Norte da Europa para salvar os próprios bancos. Temos dificuldade em explicar estas coisas e por isso temos muitos partidos populistas que estão a vender esta história fácil de que no Sul são uns preguiçosos e precisamos de nos proteger”, diz Wouter.

Três dias bastaram para garantir que vão chegar à Holanda e escrever artigos positivos sobre Portugal e queriam até que o Governo português tivesse um pouco mais “da arrogância holandesa” e fosse menos modesto lá fora. Um dos primeiros que vão tentar convencer é Dijsselbloem que dizem, “é de esquerda” na Holanda, mas em Bruxelas "é muito duro sobretudo no que diz respeito à 'moral' de um país. Passando a ideia que os portugueses são preguiçosos. E isso não faz sentido", conclui Wouter.

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