Proibição de Trump une o mundo contra Washington

Líderes mundiais criticaram duramente a medida “mal-intencionada” do novo Presidente. Posição dos EUA no Médio Oriente pode ficar ameaçada.

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Manifestação contra o decreto de Trump em Londres Reuters/DYLAN MARTINEZ

Com uma simples assinatura, o Presidente dos EUA, Donald Trump, conseguiu unir quase todo o planeta contra Washington. De Berlim a Jacarta, passando até por Lisboa, o decreto que suspende a entrada de cidadãos de sete países muçulmanos e interrompe o acolhimento de refugiados mereceu uma condenação geral, que para além de manchar de forma profunda a imagem dos EUA no mundo, pode criar novos problemas de segurança.

“Não se pode querer rasgar 70 anos de política externa sem se ter pensado bem sobre o que a pode vir a substituir”, diz ao New York Times o académico Joseph Nye, questionado sobre as mudanças radicais que o novo Presidente dos EUA tem promovido.

Mais do que qualquer outra das medidas tomadas pela nova Administração nos seus primeiros dez dias,o decreto assinado na sexta-feira por Trump foi aquele que motivou as reacções mais críticas e resolutas por parte dos líderes mundiais. Apesar de constituir uma promessa de campanha, a forma imediata como a proibição foi aplicada, aparentemente sem sequer consultas aos ramos relevantes do Governo, e o cenário de caos nos principais aeroportos do país foi recebida com choque, indignação e muitos avisos para os riscos que a política acarreta.

Uma das reacções mais fortes veio do alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Raad al-Hussein, que lembrou que a “discriminação baseada exclusivamente na nacionalidade é proibida pelo direito internacional”. “A proibição dos EUA é também mal-intencionada, e desperdiça recursos necessários para um verdadeiro contra-terrorismo”, acrescentou.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, aproveitou o discurso que deu na cimeira da União Africana – a Líbia, Somália e Sudão são os países africanos afectados pelo decreto – para criticar de forma velada a posição da Administração Trump. “As fronteiras africanas mantêm-se abertas para aqueles que necessitam de protecção, quando tantas fronteiras estão a ser fechadas, mesmo em alguns dos países mais desenvolvidos do mundo”, disse Guterres.

Numa conversa telefónica com Trump, a chanceler alemã, Angela Merkel, teve que recordar o Presidente norte-americano das obrigações de acolhimento de refugiados subjacentes às convenções internacionais. A luta contra o terrorismo “não justifica colocar pessoas de um perfil ou religião específica sob suspeita generalizada”, disse Merkel através do seu porta-voz.

Em França – um dos países europeus mais visados por ataques terroristas de inspiração islamista nos últimos anos – o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jean-Marc Ayrault, sublinhou que “o terrorismo não tem nacionalidade” e que “a discriminação não é uma resposta”. Se a rejeição das políticas de Trump pode ser mensurável, a petição online que juntou mais de um milhão de assinaturas para impedir a visita do Presidente norte-americano ao Reino Unido é um bom indicador.

"Medidas recíprocas"

A ordem de Trump decreta a proibição de entrada nos EUA a cidadãos de sete países – Irão, Iraque, Síria, Líbia, Iémen, Sudão e Somália – durante 90 dias e suspende o acolhimento de refugiados por 120 dias – para sírios a duração da interrupção é indefinida. A lógica por trás da escolha destes países está relacionada com uma avaliação de perigo que eles constituem para interesses norte-americanos. Já antes da promulgação do decreto presidencial de Trump havia muitas restrições à emissão de vistos para cidadãos destes sete países.

Em Teerão, o Governo garantiu que vai adoptar “medidas recíprocas”, dando a entender que irá deixar de emitir vistos para cidadãos norte-americanos. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Javad Zarif, – ele próprio um ex-estudante de universidades dos EUA – descreveu o decreto como “uma grande prenda para os extremistas”. A proibição de entrada de iranianos nos EUA ameaça cortar décadas de intercâmbio cultural e académico entre os dois países, que sobreviveram mesmo às piores épocas nas relações entre Washington e Teerão. Pode ainda pôr em causa o clima de desagravamento das tensões entre os dois países conquistado com a assinatura do acordo sobre o programa nuclear iraniano – que Trump também quer rever – e fortalecer as facções mais conservadoras num ano de eleições presidenciais.

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Em relação ao Iraque, a situação é ainda mais sensível. Depois de uma presença militar de quase nove anos, os EUA tornaram-se fundamentais para o frágil equilíbrio que rege a política iraquiana. Acresce ainda o facto de mais de cinco mil militares norte-americanos lutarem ao lado das forças iraquianas contra o Daesh, que ainda ocupa parte do país. O Governo de Bagdade lembrou a “relação especial” entre os dois países e pediu a Trump que reconsiderasse a inclusão de iraquianos na proibição.

O decreto abre caminho para que se instale um novo clima de ódio em relação aos EUA. O jornal Al-Adala, próximo dos sectores pró-iranianos, denunciou a proibição como uma “manifestação flagrante de políticas racistas”. O influente líder religioso xiita Moqtada al-Sadr exigiu a saída imediata dos norte-americanos do Iraque, como retaliação.

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