Nacionalizar o Novo Banco? “Era o mais lógico”, mas “preferia” venda imediata

Para João Salgueiro, economista e antigo presidente da Associação Portuguesa de Bancos, Portugal "já tinha bancos fragilizados antes da crise, e não melhoraram com a crise".

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Nacionalizar o Novo Banco? “Era o mais lógico”, mas “preferia” uma venda imediata Vítor Costa, Sibila Lind

João Salgueiro diz que a hipótese de nacionalizar o Novo Banco era “o mais lógico”, mas não tem boas recordações das últimas experiências com bancos nacionalizados, logo, perante uma proposta razoável, a venda imediata é a melhor solução para o economista.

Como vê a situação do sistema bancário português?
Temos vários problemas de raiz que não seriam graves numa altura diferente, mas que agora são.

Portugal era o país com a menor percentagem de capitais próprios a financiar a actividade. Dependíamos muito de capitais alheios, de crédito bancário. Tudo o que não ajudar a investir mais capitais nas empresas é mau. Isso tem que ver com o quê? Com fiscalidade, antes de tudo, e tem que ver com a confiança que as pessoas depositam... Muita gente com dinheiro não o mete na sua empresa porque não tem confiança de que o futuro não vá ser pior. Esse é um problema básico.

Segundo, atravessámos uma crise financeira internacional que levou a medidas muito drásticas e ainda não concluímos o processo de ajustamento às consequências da crise.

Em terceiro lugar, o negócio bancário neste momento é um negócio sem margens. Com taxas de juro negativas não dá. Tínhamos muito crédito indexado a taxas de juro que vieram por aí abaixo e tínhamos uma tradição de não pagar comissões.

Consegue-se atrair capitais para os bancos portugueses? Temos visto que se consegue, mas é muito difícil e em condições que não são muito favoráveis para os antigos accionistas. Estamos a meio de um processo de ajustamento.

Em quarto lugar, somos capazes de dizer: é preciso que o dinheiro que chega aos bancos seja dado às empresas, mas dizemos também que é preciso que se tenha mais exigência no risco bancário para não financiar projectos de favor. Como é que se faz as duas coisas? Os bancos existem para fazer negócio. Quando há projectos bons, não é difícil arranjar financiamento. Deve-se dar dinheiro para projectos maus? Eles precisam de dinheiro, mas não é a crédito. Precisariam, sim, de fundos permanentes. Ainda não percebemos que a banca não é para dar subsídios, só dá subsídios quem pode cobrar com base nos impostos, porque a receita vem obrigatoriamente. Quem dá crédito tem de receber depósitos, tem de gerir o crédito de modo a que possa pagar os depósitos e as suas taxas de juro. E isso ainda não entrou na cabeça dos portugueses.

Mas esse diagnóstico já existia em 2011.
Claro.

Andou a empurrar-se o problema com a barriga?
O problema foi posto.

Na Irlanda e na Espanha, aplicou-se mais dinheiro na banca durante os respectivos resgates.
Nós também. O dinheiro que se gastou, em percentagem da actividade bancária e do nosso PIB, entre Portugal e Espanha foi praticamente o mesmo. Eles tinham um problema nas Caixas, não nos bancos. Ainda há um ou dois bancos que não inspiram muita confiança, mas eram basicamente as Caixas que tinham problemas, e que foram resolvidos. Fecharam umas, fundiram outras. No nosso país, por exemplo, a Caixa Agrícola está bem, e a CGD também estaria, não fossem aquelas aventuras de andar a financiar operações especulativas. Foram muito exigentes a limpar o crédito malparado todo de uma vez, mas é um problema de estratégia do Estado e da administração da CGD.

Nós já tínhamos bancos fragilizados antes da crise e não melhoraram com a crise. Também não acho que era a primeira prioridade dos portugueses fazer isso, porque as pessoas continuam a dizer que não há dinheiro para alguns sectores e há para salvar os banqueiros. Os banqueiros que se salvaram foi contra as regras, saíram do negócio, era para salvar os bancos, por causa dos depósitos. O país não sentia isso como primeira prioridade.

A criação do chamado "banco mau", para ficar com o crédito malparado do sistema, é uma boa solução?
É uma solução, mas é sempre com um desconto muito grande em relação ao valor que se tem, e é preciso saber se os bancos têm capital para encaixar isso ou se neste momento conseguem levantar capital. Mas o caminho é esse. Se estivéssemos a crescer, era mais fácil.

Como vê a situação do Novo Banco?
Está a chegar ao fim, espero. Foi bom não terem encerrado as negociações com as condições tão fracas como foi apresentado. Aparentemente, o Banco de Portugal e o Governo exigem que as propostas sejam melhoradas. Agora não se ganha em deixar passar muito tempo.

Mais valia nacionalizar?
Era o mais lógico, o problema é que a experiência que temos com bancos nacionalizados não tem sido boa e não sei se desta vez teríamos capacidade para fazer uma boa gestão. Porque um banco nacionalizado, como não existe para fazer negócios, é mais permissivo, por natureza, na concessão do crédito. Tudo o que fosse ganhar tempo era bom, mas é uma questão de grau. Se nos disserem que temos de pagar duas vezes o valor do banco para alguém o comprar, isso não me parece lógico. No entanto, o que se tem visto é que o Novo Banco não tem ganho valor ao longo deste tempo.

Se for possível arranjar uma proposta razoável que seja imediata, preferia que ficasse despachado. 

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