Uma escritora genial

Ler Joy Williams tem o estranho efeito secundário de nos fazer odiar os contos igualmente curtos de Lydia Davis.

Joy Williams escreve tão bem e depressa (tudo acontece num instante) que é irresistível reler os contos dela. É tão maldosa, desinibida e engraçada que faz-me rir no mesmo momento em que me espanto com um desenlace, mesmo sabendo que a especialidade dela é surpreender.

99 Stories Of God é a colecção mais recente. Alguns contos são tão curtos que parecem anedotas sublimes, tanto mais que sabe bem reconstrui-los a partir das punch lines. Nenhum dele precisa de ser mais comprido. É como se a autora tivesse extraído o que era conchas e ostras e só tivesse deixado as pérolas.

Ler Joy Williams tem o estranho efeito secundário de nos fazer odiar os contos igualmente curtos de Lydia Davis. Joy Williams só quer divertir-se e divertir-nos. Lydia Davis quer educar-se e educar-nos também. E eu até gostava de Lydia Davis até começar a ler Joy Williams. Agora os contos de Davis parecem fazer parte do setup de um conto de Williams que não vai acabar bem. Porque nenhum acaba.

Eis o 22.º conto na íntegra: "Quando Deus abandonou os aztecas, transformou-lhes as árvores de chocolate em carvão".

Muitos dos contos são sobre O Senhor (The Lord). Só a maneira como ela coloca as duas palavras faz-nos rir. Se o Senhor está numa farmácia para receber uma vacina contra a zona pode-se ter a certeza que não será essa a graça.

Atendendo à relação histórica entre Buñuel e os surrealistas, Williams é muito mais buñueliana do que surrealista: atinge essa magistral e hilariante ambiguidade com a mesma arrogância criativa.

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