Em nome da “segurança”, Trump quer fechar os EUA aos muçulmanos

Dezenas de pessoas foram impedidas de viajar para os Estados Unidos depois de Trump ter proibido a entrada a cidadãos de sete países. Acolhimento de refugiados também está suspenso.

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Manifestação em Washington D.C. contra ordem executiva de Trump EPA/JIM LO SCALZO

Hameed Khalid Darweesh e Haider Alshawi tinham acabado de chegar ao aeroporto internacional John F. Kennedy, que serve Nova Iorque, na sexta-feira à noite, quando foram parados antes de sair e imediatamente detidos. Quando os seus advogados quiseram falar com os clientes, os agentes da guarda fronteiriça responderam que não eram eles os responsáveis por fazê-los chegar à fala com os dois iraquianos, um dos quais trabalhou para o Governo dos EUA durante uma década. “Quem, então?”, perguntaram. “O senhor Presidente, ligue ao senhor Trump”, foi a resposta.

Enquanto o mundo digeria o controverso decreto presidencial que suspende a entrada de imigrantes de países muçulmanos e proíbe o acolhimento de refugiados sírios, os seus primeiros efeitos começavam a ser sentidos de imediato. Aeroportos em todo o mundo foram palco de cenas caóticas, durante este sábado, quando cidadãos dos sete países abrangidos pela medida foram impedidos de viajar para os EUA – uma visão que será cada vez mais comum na era de Donald Trump.

No Cairo, cinco iraquianos e um iemenita foram impedidos de embarcar num voo da EgyptAir com destino a Nova Iorque, tendo sido reencaminhados para voos de regresso aos seus países, apesar de todos terem vistos válidos, de acordo com uma fonte aeroportuária citada pela Reuters. O mesmo aconteceu num voo da holandesa KLM, que recusou a entrada a sete passageiros de países maioritariamente muçulmanos. “Não fazia qualquer sentido levá-los para os EUA”, assumiu uma porta-voz da companhia.

A advogada especializada em imigração Mana Yegani passou a noite de sexta-feira a receber telefonemas de pessoas a quem estava a ser negada a entrada nos EUA, apesar de terem toda a documentação válida e actualizada, incluindo portadores de autorização de residência, os chamados green cards, contou à Reuters.

Com o decreto aprovado sexta-feira, Trump vem resgatar uma das suas promessas mais polémicas, por fazer uma associação quase directa entre terrorismo e islão. O texto da acção executiva assinada pelo Presidente dos EUA na sexta-feira à noite é omisso em vários aspectos, mas o seu resultado prático é a suspensão da entrada de cidadãos de pelo menos sete países de população maioritariamente muçulmana e a interrupção do acolhimento de refugiados muçulmanos.

Porquê estes países?

O objectivo declarado é “proteger o povo americano de ataques terroristas por cidadãos estrangeiros admitidos nos Estados Unidos”. Para isso, Trump decreta a proibição durante 90 dias de cidadãos da Síria, Iraque, Irão, Iémen, Sudão, Líbia e Somália de viajarem para os EUA. Todos estes países estavam já incluídos em disposições legais que limitavam a emissão de vistos para os seus cidadãos. O Irão, Sudão e Síria integram a lista de Estados apoiantes de terrorismo; o Congresso aprovou uma lei que impede qualquer pessoa que tenha estado na Síria ou no Iraque desde Março de 2011 de participar num programa que torna mais leves os requisitos para emitir vistos, bem como cidadãos de “países de preocupação” designados pelo Departamento de Segurança Interna, ou seja, a Líbia, Somália e Iémen.

Na acção executiva, Trump refere o ataque às Torres Gémeas de 11 de Setembro de 2001 como um dos falhanços das autoridades norte-americanas em escrutinarem as entradas no país. Porém, nenhum dos 19 participantes no atentado era cidadão de qualquer um dos países alvo da proibição. Na verdade, escrevia o jornalista da NPR, Greg Myre, “nenhum extremista muçulmano de qualquer um destes sítios levou a cabo um ataque fatal nos EUA em mais de duas décadas”.

À proibição junta-se a suspensão do acolhimento de refugiados pelos EUA durante os próximos quatro meses, e da chegada de requerentes de asilo sírios indefinidamente. Quando a recepção de refugiados for retomada, a prioridade será dada “tendo por base a perseguição motivada pela religião, desde que se prove que a religião do indivíduo é minoritária” – uma disposição que parece dificultar o acolhimento de muçulmanos a favor de cristãos.

Numa entrevista à Christian Broadcaster Network na sexta-feira, Trump disse que as minorias cristãs no Médio Oriente estão a ser tratadas “de forma horrível”. “Sabia que se for um cristão na Síria é impossível, ou pelo menos muito difícil, entrar nos EUA? Portanto vamos ajudá-los”, afirmou o Presidente. No ano passado, os EUA receberam 38.901 refugiados muçulmanos e 37.521 cristãos.

Há muitas dúvidas quanto à legalidade da ordem executiva – que por definição tem um valor legal inferior a uma lei ordinária. A Lei da Imigração e da Nacionalidade, aprovada pelo Congresso em 1965, proíbe qualquer discriminação baseada no país de origem ou na religião, apesar de no decreto não ser referida directamente a religião muçulmana. O Conselho para as Relações Americanas-Islâmicas já disse que pretende apresentar uma queixa federal para questionar a constitucionalidade da ordem, “uma vez que o seu objectivo aparente e o motivo subjacente é proibir pessoas de fé islâmica e de países de maioria muçulmana de entrarem nos Estados Unidos”.

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