Morreu John Hurt, o actor que deu corpo a O Homem Elefante

Reconhecido pelos desempenhos em filmes como O Expresso da Meia-Noite ou Alien – O 8.º Passageiro, o actor britânico chegou às gerações mais jovens através de Harry Potter. Tinha 77 anos.

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John Hurt foi distinguido com quatro BAFTA e um Globo de Ouro Suzanne Plunkett/ Reuters

John Hurt morreu aos 77 anos vítima de cancro do pâncreas, avança a BBC, citando o agente do actor britânico. Apesar de a doença lhe ter sido diagnosticada em 2015, Hurt completou ainda uma mão-cheia de filmes, quatro dos quais têm estreia prevista para este ano. Com a sua morte, é um dos mais carismáticos e singulares actores britânicos que desaparece – uma figura que, como diz o New York Times, “desaparecia no interior dos papéis”, senhor de uma voz inconfundível que muitas das suas personagens punham a bom uso. David Lynch, que o dirigiu em O Homem Elefante (1980), chamou-lhe anos mais tarde “o melhor actor do mundo”; Lars von Trier convocou-o para narrar Dogville (2003) e Manderlay (2005); deu corpo ao Sr. Ollivander, fabricante de varinhas, nos filmes de Harry Potter. E é do seu corpo que salta o monstro extra-terrestre criado por H. R. Giger no Alien original de Ridley Scott (O Oitavo Passageiro, 1979).

Hurt foi por duas vezes nomeado para os Óscares, para Melhor Actor Secundário em 1979 por O Expresso da Meia-Noite (1978) de Alan Parker, pelo qual ganhou um Globo de Ouro; e para Melhor Actor em 1981 por O Homem Elefante (1981), baseado na história verdadeira de John Merrick, o inglês vitoriano sofrendo de uma deformação física. Se soube revelar a humanidade por trás de Merrick, a sua interpretação do imperador romano Calígula na série televisiva da BBC Eu, Cláudio (1975) como um narcisista psicótico era literalmente arrepiante; coube-lhe representar o ditador fascista de uma Inglaterra futurista em V de Vingança (2005) de James McTeague, depois de ter sido Winston Smith, o cidadão que desafia uma distopia totalitária, na adaptação por Michael Radford do romance de George Orwell 1984, estreada precisamente em 1984, contracenando com Richard Burton (naquele que seria o último papel no cinema do actor galês). Pouco antes, em 1983, interpretara o Bobo numa produção televisiva do Rei Lear de Shakespeare, onde o papel principal cabia a Laurence Olivier.

Um dos mais respeitados 

Formado pela Academia Real de Artes Dramáticas, Hurt começou no teatro e teve as suas primeiras interpretações de destaque no cinema em Um Homem para a Eternidade (1966) de Fred Zinnemann e O Violador de Rillington (1971) de Richard Fleischer. Mas foi na segunda metade da década de 1970 que uma conjugação de papéis e factores o levaram à ribalta: primeiro a sua interpretação de Quentin Crisp, o homossexual britânico que desafiou as regras da Inglaterra conservadora dos anos 1950, no telefilme da ITV The Naked Civil Servant (1975); e, em rápida sucessão, Calígula em Eu, Cláudio, um drogado britânico nas prisões turcas em O Expresso da Meia-Noite, Raskolnikov numa adaptação televisiva do Crime e Castigo de Dostoievsky (1979) e John Merrick em O Homem Elefante.

John Hurt tornou-se a partir de então num dos actores secundários e de composição mais respeitados do Reino Unido. Alternou com sucesso entre o cinema de autor, a tradição britânica e as grandes produções americanas; para lá de David Lynch, rodou com Gus van Sant (Até as Vaqueiras Ficam Tristes), Jim Jarmusch (Homem Morto, Os Limites do Controlo e Só os Amantes Sobrevivem), Lars von Trier (Melancolia), Roger Corman (Frankenstein Revisitado) ou Sam Peckinpah (O Fim-de-Semana de Osterman), Stephen Frears; ao mesmo tempo que entrava nos filmes de Hellboy dirigidos por Guillermo del Toro, na quarta aventura de Indiana Jones sob Steven Spielberg (Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal), na adaptação de John le Carré A Toupeira ou na versão cinematográfica de Contacto de Carl Sagan.

Os últimos papéis na tela

Nascido a 22 de Janeiro de 1940 em Chesterfield, Hurt era filho de um vigário anglicano e de uma engenheira (e actriz amadora). O seu gosto pelo trabalho de actor não foi acolhido de imediato pela família, que o encaminhou para o estudo da pintura – o que fez. Mas assim que pôde reincidiu na paixão a que dedicaria a sua vida. Casado por quatro vezes, teve dois filhos e foi investido cavaleiro pela rainha Isabel II em 2015, no mesmo ano em que revelou publicamente sofrer de cancro do pâncreas.

Vê-lo-emos em breve nos écrãs num dos seus últimos papéis, em Jackie de Pablo Larraín; à altura da sua morte, John Hurt havia completado quatro outros filmes, entre os quais Darkest Hour, de Joe Wright, filme histórico sobre a Segunda Guerra Mundial onde interpretava Neville Chamberlain, o primeiro-ministro britânico caído em desgraça, contracenando com Gary Oldman e Kristin Scott Thomas. Com Hugo Torres

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