Uma viagem pela epopeia lusitana que problematiza o nosso tempo

Força Humana é o segundo espectáculo do ciclo Estúdio Poético e tem encenação e interpretação de António Fonseca e José Neves. Em cena no Teatro D.Maria II, em Lisboa, a partir desta quinta-feira.

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António Fonseca, no espectáculo é a partir dos versos de Camões que se insinuam as realidades do Portugal e do mundo contemporâneo João Tuna
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A peça tem encenação e interpretação de António Fonseca e José Neves João Tuna
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João Tuna

Quando Luís de Camões imortalizou a descoberta do caminho marítimo para a Índia, estava longe de imaginar que a história do povo que se rendeu ao perigo absoluto em busca de melhor fado iria atravessar o espaço e o tempo. Falava da fama e da glória alcançados pelos portugueses, sem esconder o sacrifício e a tragédia a que se submeteram em nome de uma vida melhor. É nesse sentido que surge o espectáculo Força Humana, o segundo do ciclo Estúdio Poético, que está em cena no Teatro Nacional D. Maria II entre esta quinta-feira e domingo. António Fonseca e José Neves, responsáveis pela encenação e interpretação da peça, propõem-se trazer Os Lusíadas às problemáticas que marcam a nossa actualidade. “Todos os grandes textos têm sempre milhentas possibilidades para se viajar neles”, diz António Fonseca.

O actor, que passou cerca de quatro anos a decorar os 8816 versos da epopeia, recusa libertar-se daquele que considera um dos textos da sua vida, “onde existe sempre um motivo para voltar”. Desta vez, ao contrário da maratona em que recitou os dez cantos da obra, quis juntar um “jogo cénico e teatral que pudesse proporcionar uma viagem diferente por aquela letra”. Nasceu, assim, um espectáculo que ilustra a memória de uma nação que, de rumo perdido, se fez grande, mas que deixou mulheres a chorar em terra pelos maridos e filhos em vão à espera dos pais. É a partir dos versos de Camões que se insinuam as realidades do Portugal e do mundo contemporâneo, como as migrações, os refugiados e a fragmentada União Europeia. “Temos outras questões que hoje nos preocupam e que acabam por ter também o mesmo texto [que os Descobrimentos]”, explica José Neves.

Em boa verdade, em nenhum momento os temas que marcam a actualidade são explicitamente mencionados, mas o público é posto a pensar, por exemplo, quando os dois actores se encontram de mochila às costas visivelmente sem rumo, enquanto a bandeira da União Europeia repousa numa cadeira. “O que me interessa aqui é a provocação que este poema me faz neste tempo”, afirma António Fonseca. No decorrer da peça, é como se os dois protagonistas tivessem feito parte da cruzada sobre a qual Camões canta e estivessem, posteriormente, a ver a perigosa jornada passar-lhes diante dos olhos. Como se coleccionassem pedaços de memória do sangue e suor que os levaram à fama e a glória, apenas para estarem de partida outra vez na cena seguinte.  

Força Humana estará, posteriormente, em digressão por todo o país e subirá aos palcos do Teatro de Vila Real (10 de Fevereiro), no Teatro Municipal da Guarda (23 de Fevereiro), no Teatro-Cine de Torres Vedras (10 de Março), no Convento de São Francisco em Coimbra (17 e 18 de Março), no Teatro Municipal de Bragança (22 de Março) e no Centro das Artes e do Espectáculo do Sever do Vouga (25 de Março). Em algumas das cidades, será ainda realizado o workshop “Ler + Dizer Os Lusíadas” com professores e alunos do ensino secundário, para trabalhar a ideia de estudar o texto “pela carga e pela dimensão artística de sonho e de ficção” em detrimento da linguagem e do estilo. O ciclo Estúdio Poético regressa de 9 a 12 de Fevereiro com Rosto, Clareira e Desmaio, uma encenação de Susana Vidal a partir da poesia de Miguel-Manso.

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