Balancete de deve e haver na TSU

Na TSU, houve quem corresse riscos desnecessários e, nesses casos, a tentação dos arriscados foi ainda correr em frente. Foi por isso que se chegou a esta situação de minicrise que amanhã terá o seu epílogo no Parlamento, com a derrota da proposta governamental, que será imediatamente substituída por medidas alternativas.

O PSD correu riscos inúteis. Passos Coelho em versão pequeno alfaiate valente dos Irmãos Grimm, “mato sete de cada vez” e até o Marcelo, é o suficiente para empolgar a sua bancada, que acha que uma pateada parlamentar vale bem uma sondagem, mas afunda o partido na incoerência, um custo marcado na pele. Ou seja, Passos foi mole à espera de um furacão europeu que ameace o Governo, agora é duro à espera do mesmo furacão, mas a política é sempre esperar que um ataque contra Portugal lhe abra a porta do tão saudoso poder. Ora, isso é submissão, mais do que estratégia, e joga com o tempo, que não controla.

O Governo também correu riscos inúteis. Transformou a ansiedade patronal em receber algum dinheirinho em pressão sobre a direita, mas fez um compromisso impossível e isso não lhe fica bem, tanto mais que tomou a iniciativa de dividir a maioria. Na aflição, reagiu com inteligência, não abrindo conflito à esquerda, mas a pergunta que fica é por que se aventurou numa negociação que não podia honrar.

Portanto, PSD e Governo festejam as suas vitórias — juntar a tropa ou bombardear o adversário —, quando teriam boas razões para cuidar dos défices que criaram na percepção pública.
O Presidente, que encarnou o Governo na negociação, tirou uma consequência que poucos notaram na sua amável entrevista à SIC: passou a falar de “governo minoritário”. O que é uma descrição certa, mas não me lembro de ter utilizado esta expressão até agora. Claro que Marcelo afirma preferir um governo de legislatura (e um Passos de legislatura, claro está), mas o deslize semântico é um pequeno sinal de fumo.

Para a esquerda, esta minicrise é uma vitória importante. Catarina e Jerónimo de Sousa deviam mesmo mandar uma caixa de chocolates a Passos, quando este declara que passa a votar com a esquerda seja na TSU, seja nas parcerias público-privadas na saúde: ele aumentou a sua capacidade de negociação. Mas o Governo não pode repetir o erro e o Bloco e o PCP não podem deixar que o erro se repita. Portanto, têm de estar preparados para muito mais trabalho de negociação prévia de soluções.

s a esquerda ganha ainda por outro motivo. É que era evidente que os 600 euros de salário mínimo seriam sempre um dossier difícil. Creio que por isso foi essencial que nos acordos PS-BE estivesse previsto o calendário concreto e que impusessem no programa de governo o valor exacto: agora 557, dentro de um ano 580 e dentro de dois 600. Melhor, eliminada de vez a política de financiamento das empresas pela TSU, só restam medidas que têm destinatários e contrapartidas verificáveis (pagamento especial por conta ou apoio fiscal a contrato sem termo, por exemplo). Então, o Governo terá a escolha entre dois caminhos: mantendo o seu programa, reafirmar o compromisso dos 600 euros e retirá-lo das negociações com o patronato, que de outras coisas se ocupará; ou provocar cada ano um abalo na sua maioria. Assim postas as coisas, nem há dúvida sobre o único caminho que pode ser escolhido.

Mas o patronato também ganhou com a minicrise. Mesmo que perca no salário, consegue os dinheirinhos e outro benefício colateral, que lhe importa ainda mais: encosta o Governo para travar alterações na lei laboral. Ou seja, para a maioria o caminho fica mais estreito e isso vai exigir mais imaginação, empenho, capacidade de compromisso e ousadia nas respostas sociais à precariedade dos trabalhadores — pois só a defesa da maioria da nossa gente garante a maioria para o Governo.

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