O desempenho orçamental e externo em 2016

Mesmo sem receitas extraordinárias, a que quase todos os governos recorreram, a execução orçamental teria sido muito boa.

O primeiro-ministro informou, na semana passada, o Parlamento que o défice público “não será superior a 2,3%” do PIB. É um resultado orçamental muito bom, “o menor défice (público) em mais 40 anos” de democracia.

Cerca de 0,35% do PIB explica-se pelo perdão fiscal e regime especial de reavaliação de activos. Afigura-se aceitável que se reduzam os juros de mora e custas para dívidas fiscais ao Estado. Note-se que, dadas as elevadas taxas de juro de mora, numa dívida fiscal com dez anos, os juros de mora e custas poderiam representar perto de metade da dívida fiscal em causa.

Já se afigura menos justificável o regime especial de reavaliação de activos, que se pode traduzir numa quebra de receitas fiscais de IRC, no futuro, de um montante que seria o dobro, em termos nominais, das receitas totais que são arrecadadas com este novo regime, como explica uma excelente análise de José António Moreira no PÚBLICO.

Mas, mesmo sem essas receitas extraordinárias, a que quase todos os governos recorreram no passado, a execução orçamental teria sido muito boa.

Mas há vida para além do défice. É de salientar pela positiva: o crescimento do emprego, o ligeiro aumento do rendimento disponível das famílias e a evolução da balança comercial, que registará um excedente próximo de 2,5% do PIB em 2016 (em 2008 o país registou um défice da balança comercial de 9,4% do PIB). Do lado negativo: a deterioração do défice da balança de rendimento primário do país em 2016, em resultado do pagamento de juros e de dividendos ao estrangeiro, nomeadamente em resultado da venda de activos financeiros importantes (as “privatizações”) a não residentes nos últimos anos, o baixo nível de investimento público e privado e a ainda muito elevada taxa de desemprego, sobretudo jovem.

Em Novembro de 2012, numa conferência do Budget Watch no ISEG em Lisboa, argumentei que o programa de ajustamento, a que Portugal estava na altura sujeito, teria objectivos irrealistas, nomeadamente ao pretender uma melhoria da balança de bens e serviços de 14,6 pontos percentuais do PIB entre 2008 e 2017 (um objectivo superior e mais importante até, do que o objectivo de melhoria do saldo orçamental em 8,3 pontos percentuais do PIB, de -10,2% do PIB em 2009 para -1,9% do PIB em 2016).

Como se sabe, esses “objectivos” do FMI não foram atingidos, como se pode constatar na figura abaixo.

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O défice público em 2016 ficará em 2,3% do PIB, face aos 1,9% previstos pelo FMI em 2012.  Mas, o que ocorreu na frente externa – à custa de muito sacrifício de famílias e empresas, e de uma compressão brutal da procura interna – excede o que então julgava possível. O país regista desde 2012 excedentes consecutivos da balança comercial, que deverão atingir 2,5% do PIB em 2016. Tal representa uma melhoria de quase 12 pontos percentuais do PIB relativamente a 2008. A balança corrente evolui muito melhor do que “planeado” pelo FMI, embora essa evolução se deva sobretudo ao comportamento mais favorável do que previsto da balança de rendimento primário, sem dúvida em resultado das políticas monetárias acomodatícia e não convencional do BCE.  

O que estes dados sugerem é que Portugal está a gerar enormes poupanças (primárias) orçamentais e externas. Ora esse esforço deixou mazelas tanto na estrutura produtiva como a nível social. Agora é necessário reestruturar a dívida de forma que os portugueses possam beneficiar desse extraordinário desempenho … e para que, através de investimento em infra-estruturas, capacidade produtiva e capital humano, esse desempenho na frente externa não se perca e ao invés se possa consolidar.

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