Que Deus nos ajude, Trump

A partir de hoje já não há volta a dar. Temos um novo presidente dos EUA e um admirável mundo novo a construir-se. Só nos restam duas opções: ou levantar o rabo do sofá ou ficar a ver tudo a desmoronar-se

Foto
Lucas Jackson/ Reuters

Sei que a proposta da declaração de interesses dos jornalistas foi chumbada no 4.º Congresso dos Jornalistas Portugueses, mas eu faço a minha, a partir de hoje, em jeito de tomada de posse: "Eu, José Paiva, juro solenemente cumprir fielmente as funções de jornalista e cidadão preocupado e, com todos os meios ao meu alcance, salvaguardar, proteger e defender os direitos e deveres de todos os cidadãos nos próximos quatro anos."

Pois é, Donald Trump é o 45.º presidente dos EUA e, se até aqui achávamos que isto seria um pesadelo dentro de um pesadelo, agora é para parar de bater com a cabeça na cabeceira e levantar. Já não interessa como foi possível que alguém que tem o discurso da minha prima de oito anos quando um familiar lhe pergunta porque é que ela teve negativa a matemática tenha chegado a líder do mundo livre. Não é mais relevante se foram as fake news ou a pós-verdade — que, a bem desse bem precioso que é a verdade, já cá andam há muito tempo. Nem sequer vale a pena escrutinar quem votou, ou porque é que continuamos a fazer do seu Twitter o nosso agenda-setting, ou até porque é que os supremacistas brancos, esses fofinhos, decidiram sair da toca. E, por favor, será, no mínimo escusado, continuar a culpar os media: caros leitores, não há bode expiatório, o culpado chama-se John, Maria Rosa ou o hacker russo que dá pelo nome de Dimitri_Cara_de_Lavagante_78. Ou seja, todos nós.

Portanto, o período de stress pós-traumático ficou nos jantares de Natal — onde se engoliu 2016 como se engoliu o peru, o bacalhau e os sonhos empanturrados de açúcar. E, por isso, agora, restam-nos fazer algumas coisas que não estávamos preparados para fazer há cerca de, convenhamos, muito pouco tempo.

Ponto número 1: apoiar Angela Merkel nas próximas eleições da Alemanha. Esqueça se a senhora queria apertar o cinto às calças de Portugal. Imagine como se fosse uma ex-namorada sua: limpe a memória da Guerra Mundial que foi terminar com ela e decida ser seu amigo. Já agora, apoie alguém nas presidenciais francesas sem ser Le Pen. Já chega de gozar com eles por causa do Éder. Ter uma bastarda de Trump, de voz grossa, à frente dos destinos de França, só o vai ajudar o "magnata" do imobiliário. A não ser que queira levar com o irmão americano brutamontes misógino dela — e suposto adorador das artes da urina —, por mim tudo bem, gostos não se discutem.

Ponto número 2: critique, discuta e reflita com os jornalistas da sua terra. O mesmo serve para os jornalistas. Não se acomodem e voltem a adoptar o facto e a paixão pelo jornalismo. Eu sei que é mais cómodo partilhar (e fazer) a notícia "VESTÍGIOS DE ALIENS EM MONSANTO" do Tá Bonito. Mas não, não 'tá. É importante que apoie e critique os media, mas não os substitua. É importante que oiça e divulgue a verdade, mas não a substitua. Porque sem eles (media, leitores, espectadores e ouvintes), lá vêm os aliens. Mas esses têm armas, racismo e medidas vagamente ditatoriais para oferecer.

Ponto número 3: aprenda as maravilhas de uma discussão ao vivo com argumentos. Vai ajudá-lo a emagrecer a fúria que sente dentro de si. Uma dieta perfeita para quem está farto de opinar.

Ponto número 4 (e último): se sente uma vontade imensa de intervir procure instituições, ONG, associações, a Assembleia da República ou, simplesmente, a rua do seu prédio. Aproveite para fazer exercício e ainda pode fazer com que mais pessoas se juntem à sua causa — mesmo que seja a defesa das térmitas da madeira seca. É uma e isso já é suficiente. Não sei se será possível cumprir os quatro pontos. Nem eu próprio posso dizer que o farei. Mas acredite, se não o fizer, só nos restará uma alternativa: que Deus nos ajude, como diria o meu tio neste último jantar de Natal.

Sugerir correcção
Comentar