O principiante

O tweet era previsível e corria o risco de ser como foi, banal: “It all begins today.” O mandato do novo Presidente é, bem entendido, o princípio de todas as coisas. Mas o dia 20 de Janeiro foi, de facto, o princípio da carreira pública de Donald Trump, o primeiro Presidente dos Estados Unidos que chega ao cimo da hierarquia institucional da República norte-americana sem nunca ter ocupado quaisquer cargos políticos, nem exercido nenhumas funções públicas.

A fórmula do juramento está na Constituição e, no momento inicial, o Presidente George Washington acrescentou-lhe quatro palavras necessárias — “So help me God” — que quase todos os seus quarenta e quatro sucessores têm repetido desde 1789. O primeiro Presidente também quis fazer o seu juramento sobre a Bíblia: Trump mantém essa tradição e, tal como Barack Obama, escolheu para a cerimónia a Bíblia de Abraham Lincoln.

O discurso inaugural do novo Presidente dos Estados Unidos é o mais importante na carreira de um político americano. Os discursos de tomada de posse dos grandes presidentes, como Lincoln ou Franklin Roosevelt, têm um estatuto mítico na política americana; outros, demasiado longos, excessivamente retóricos ou surpreendentemente breves, não ficaram para a História. Mas todos podem ser avaliados por quatro critérios: primeiro, o novo Presidente tem de unir os seus concidadãos, que se dividiram na eleição democrática; segundo, tem de realçar a herança dos valores comuns que definem a comunidade nacional; terceiro, tem de dizer ao que vem, quais são as suas prioridades políticas internas e externas; e quarto, tem de demonstrar a sua vinculação aos termos constitucionais que definem o exercício e os limites dos poderes do Presidente norte-americano.

O discurso de Trump tem má nota em todos os quatro critérios. Desde logo, o novo Presidente preferiu falar só para os seus eleitores e falou na linguagem dos seus eleitores, excluindo a outra metade da comunidade política. Por outro lado, trocou as referências aos valores comuns que definem a democracia americana, como a liberdade, o pluralismo e o primado do direito pela repetição ad nauseam da palavra-de-ordem da sua campanha — “America First” —, a palavra-de-ordem dos isolacionistas que, nos anos trinta, conseguiram adiar a intervenção dos Estados Unidos na guerra contra o nazismo até à declaração de guerra da Alemanha.

No mesmo sentido, entendeu não ser necessário detalhar as suas políticas, para lá de reiterar os princípios do nacionalismo e do proteccionismo económico e de sublinhar a prioridade no combate contra o “terrorismo islâmico radical”. Omitiu qualquer referência aos tratados internacionais que vinculam os Estados Unidos, assim como à NATO, crucial para a preponderância norte-americana. Por último, nunca quis referir nem a Constituição, nem as instituições políticas e judiciais, que definem a democracia americana e as condições do exercício do mandato do Presidente dos Estados Unidos num regime único de separação dos poderes. Pelo contrário, referiu-se aos políticos num registo depreciativo, ao mesmo tempo que associava o seu mandato não à candidatura do Partido Republicano, mas a um “movimento histórico” sem precedentes que mobilizou “dezenas de milhões”.

A tradição jacksoniana explica, em parte, a catilinária anti-política, anti-elitista e anti-globalização que é o fio condutor do novo “politicamente correcto”. A descrição da “carnificina americana”, com uma classe média arruinada pelos vícios do internacionalismo e a corrupção das elites, é uma caricatura do balanço do mandato do seu predecessor, que restaurou a economia americana depois da pior crise financeira desde a Grande Depressão. O novo Presidente mobiliza o ressentimento dos americanos, propõe-lhes a “reconstrução” de uma América que não reconhece limites ao seu poder e afirma que o seu mandato vai “determinar o curso da América e do mundo por muitos e muitos anos”. Os antigos sabiam que a demagogia é uma forma de corrupção política.

O discurso inaugural do novo Presidente preferiu celebrar a vitória da sua facção como uma ruptura política, em vez de comemorar as virtudes da República e a continuidade da democracia americana. Falta saber se o discurso do Presidente Trump é um momento passageiro da nostalgia reaccionária — uma tentativa fútil de resistir ao fim da história hegeliana — ou se anuncia o inicio de um novo ciclo de ressurgência dos nacionalismos.

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