Júlio Pereira: “Para mim, fazer um disco é fazer histórias com som”

Novo disco de Júlio Pereira está gravado e em fase de edição. Será publicado até Março e une o cavaquinho ao braguinha e à guitarra portuguesa.

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Júlio Pereira está prestes a lançar o 22.º disco da sua carreira ANTÓNIO GAMITO

Na casa-estúdio de Júlio Pereira, Pedro Jóia vai dedilhando a guitarra, de auscultadores postos, atento à gravação. “Uma coisa mais de ritmo ou de dedilhado?”, pergunta ele. Júlio responde: “Aqui o que interessa é ninguém atropelar ninguém. Mal ela começa a cantar, tens de ir atrás dela, como resposta a ela”. Ela é Olga Cerpa (das Canárias), que participa com António Zambujo na única faixa do disco que terá palavras. Haverá outras com voz, em apontamentos, vocalizos ou coros, e aí ouviremos Cheny Wa Gune (dos Timbila Muzimba de Moçambique), Mariana Abrunheiro, Luanda Cozetti, Teresa Melo Campos e Inês Melo Campos (do grupo Sopa de Pedra) e Andreia João Lopes. Mas de momento é no tema Músicas do mundo (dedicado ao Festival de Sines) que Júlio Pereira e Pedro Jóia se fixam, naquela que é a última gravação para o novo disco.

Não tem ainda título, embora Júlio Pereira gostasse que a palavra “cavaquinho” fizesse parte dele, por causa da “cruzada” que empreendeu em prol deste instrumento. “A minha grande preocupação é que o disco não seja ‘igual’ ao anterior”, diz. E como o anterior, de 2014, se chamou Cavaquinho.pt, este não terá o baptismo facilitado. Os temas do disco, por sua vez, tirando o já citado (serão onze ou doze no total), ainda permanecem anónimos. “Gosto muito de fazer uma reunião-jantar com os amigos para definir os nomes. Como isto é música instrumental, cada um faz o seu filme. Ouvem e peço-lhes que escrevam nomes num papel. E daí sai sempre um título. Porque há coisas coincidentes. Por exemplo: faço uma música que me faz lembrar o Norte de África. Outra pessoa ouve-a, e essa música faz-lhe lembrar outra cultura qualquer. Mas pode haver qualquer coisa entre as duas culturas que faça sentido. E o título virá daí.”

No disco, em fase final de edição (“vou misturar e masterizar com o Quico Serrano”), além de dois músicos que habitualmente o acompanham, Miguel Veras (viola) e Sandra Martins (violoncelo), participam o canadiano James Hill, exímio tocador de ukulele, José Manuel Neto (“é a primeira vez que se pode ouvir o cavaquinho com a guitarra portuguesa”), Luís Peixoto (que toca bouzouki) e Norberto Gonçalves da Cruz, que Júlio Pereira descreve como “um dos maiores bandolinistas da Europa”: “Vive na Madeira, estudou uma dúzia de anos em Itália e voltou para lá. Está neste momento a tomar conta das orquestras de bandolim na Madeira. Meteu-se num avião, veio aqui colaborar numa música comigo e foi um prazer trabalhar com ele.” Para a capa, Júlio convidou Carlos Zíngaro, que além de tocar violino em vários dos seus discos, ilustrou os dois primeiros a solo, Fernando Vai ao Vinho (1976) e Lisboémia (1978).

Neste disco, o 22.º da sua carreira, o braguinha (cordofone que é o parente madeirense do cavaquinho) tem um papel de relevo. “Tem um som mais doce, é como se fosse uma viola em miniatura. Fiz três temas com o braguinha, o que permite que o disco fique mais equilibrado porque não tem sempre o rasgado do cavaquinho.” A forma como Júlio Pereira se relaciona com os instrumentos mas também com os programas e tecnologias de som marca o seu trabalho. “Como sou multi-instrumentista, sou muito atípico em relação aos instrumentos. E como tenho familiaridade com as máquinas, isto faz com que eu vá construindo histórias com base nos instrumentos que vou tocando. E isto herdei do Zeca [Afonso]: para mim, fazer um disco é fazer histórias com som.”

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