Daniel Serrão: não está entre nós, está em nós…

Médico, professor e investigador, foi cultor de uma doutrina ética humanista e personalista e dono de um coração inteligente que colocou ao serviço da verdade.

1. Mais do que falar da morte do Prof. Daniel Serrão, é necessário falar da riqueza da sua vida. Da riqueza da sua vida ética, da riqueza dos seus valores, da sua vivência na Igreja de Jesus Cristo, da elevação do seu pensamento, da beleza dos seus escritos, da dimensão da sua cultura, da generosidade do seu viver, da verticalidade da sua estatura moral, da alegria da sua espiritualidade, da doação de si a uma humanidade fragilizada e aos mais vulneráveis.  

2. Médico, professor e investigador, foi cultor de uma doutrina ética humanista e personalista e dono de um coração inteligente que colocou ao serviço da verdade. Para Daniel Serrão, a ética e a ciência são como as “duas asas do conhecimento humano”, na medida em que a ética procura ajudar a ciência e a ciência admite como necessárias e imprescindíveis as preocupações éticas.

3. Cultor da difusão e do debate bioético, “generoso e utópico” (ele próprio caracterizou a Bioética como “a generosa utopia do século XXI”), os seus milhares de escritos e as suas conferências constituem contributos de consulta indispensável pela clarividência e honestidade intelectual dos conteúdos. Orador por excelência, dotado de uma escrita fina e acutilante, senhor de um poder de recta argumentação e sábio pensamento, expõe com linguagem simples — que só os sábios possuem — a complexidade da relação entre forma e função a nível cerebral.  

4. Daniel Serrão questionava-se e questionava-nos sobre o sentido da morte da pessoa humana. E respondia: começamos por afirmar que a “morte não existe”. Existimos eu e tu que morreremos, na sequência de um processo biológico natural. Devemos, portanto, falar do processo de morrer que se desenvolve no tempo e do seu reconhecimento por parte da pessoa. Heidegger afirmou que a pessoa é um “ser-para-a-morte”. É uma verdade que não surpreende e todos nós sabemos isso pela experiência da morte do outro. Mas o médico e bioeticista portuense vai mais longe ao proclamar que o mais importante não é o sermos seres para a morte, mas a certeza do que somos seres até à morte e, se morremos, não é só porque vivemos, mas para que vivamos, sempre.

5. Neste sentido, nos que nos morrem, desaparece progressivamente o que foi acessório na sua existência, mas permanece o essencial, o que nelas era o sentido para a totalidade da vida — “o sorriso, os gestos, as palavras, os amigos ou os filhos que gerou ou não, os objectos que criou” (Daniel Serrão). Não estando entre nós, os que nos morrem permanecem em nós. Felizmente, Daniel Serrão está em nós.

Em nome dos discípulos e colaboradores no Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa

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