Espanha tentou empurrar para Portugal impacto ambiental de aterro em Almaraz

Ministro do Ambiente recusa proposta. Portugal avança com queixa a Bruxelas após falhar acordo com Espanha. Licença para viabilizar a construção de armazém para resíduos nucleares em Almaraz demorará pelo menos um ano.

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A central nuclear de Almaraz está em funcionamento desde 1981 NUNO VEIGA/LUSA
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Perto de três centenas de pessoas manifestaram-se nesta quinta-feira em Lisboa contra a central REUTERS/Rafael Marchante

O Governo espanhol tentou convencer esta quinta-feira o ministro do Ambiente português, João Matos Fernandes, a aceitar que fosse Portugal a realizar o estudo de impacto ambiental transfronteiriço para avaliar os riscos associados à construção de um armazém para resíduos nucleares na central de Almaraz, junto ao rio Tejo e a cerca de 100 quilómetros da fronteira portuguesa.

Fonte do Governo adiantou ao PÚBLICO que Portugal rejeitou a ideia, insistindo que, segundo a legislação europeia, essa responsabilidade cabe a Espanha, que possui os detalhes sobre o que está a ser projectado.

Na reunião desta quinta-feira entre os ministros do Ambiente português e espanhol, em Madrid, que contou igualmente com a presença do ministro da Energia espanhol, foi garantido a Portugal que a licença que irá viabilizar a construção do armazém para resíduos nucleares ainda demorará entre um ano e 15 meses a ser emitida. Este será o período de tempo que Portugal terá para tentar impedir o arranque da obra.

Após o acordo falhado com as autoridades espanholas, o ministro do Ambiente português anunciou que vai entregar na próxima segunda-feira à Comissão Europeia uma queixa contra Espanha. Em causa está o facto de Portugal insistir na necessidade de se fazer um estudo de impacto ambiental transfronteiriço, uma possibilidade prevista na legislação europeia e na Convenção de Espoo quando está em causa a construção de novas instalações nucleares.

Processo moroso

O porta-voz da Comissão Europeia para o Ambiente, Enrico Brivio, adiantou ao PÚBLICO que depois de receber a queixa, serão necessárias algumas semanas para analisar o seu conteúdo. Só depois, a Comissão decidirá se contacta Espanha “para avaliar se estão a ser cumpridas todas as normas europeias”. 

Se concluir que há uma violação dessas regras, a Comissão pode abrir um processo por incumprimento, que poderá culminar com uma acção intentada no Tribunal de Justiça da União Europeia contra Espanha. Enrico Brivio sublinha, contudo, que até eventualmente se chegar a este ponto demorará meses. Poderá ainda ser aberto um procedimento para a aplicação de uma multa a Espanha, o que nunca acontecerá num prazo inferior a um ano.

“Portugal vai solicitar a intervenção de Bruxelas neste caso. Havendo um diferendo, ele tem de ser resolvido pelas instâncias europeias”, disse o ministro do Ambiente português, João Matos Fernandes, citado pela Lusa, à saída da reunião.

Matos Fernandes diz que “não é tanto a construção em betão” que o preocupa, mas sim o facto de se tratar de um “aterro de resíduos nucleares”. O ministro português salientou que a construção deste aterro "tem impactos ambientais potenciais no nosso país”, pois para além de estar próximo da fronteira “está muito próximo do rio Tejo”, factor fundamental a ter em conta quando for feita a avaliação de impacto ambiental. 

Apesar de o ministro do Ambiente referir à RTP que não há “nenhuma decisão tomada ainda sobre a continuação da central de Almaraz para além do período da licença que tem”, o parecer favorável do Governo espanhol pode vir a permitir o prolongamento do prazo de vida da central nuclear, em funcionamento desde 1980 e com licença até 2020. Inicialmente a central estava prevista encerrar em 2010. 

“Aquilo que me foi dito claramente pelo senhor ministro da Energia foi que essa decisão não está tomada e será tomada a seu tempo. Portugal não tem que interferir naquilo que são as políticas energéticas de Espanha, da mesma forma que Espanha não interfere nas políticas energéticas de Portugal”, afirmou o ministro do Ambiente, citado pela RTP.

Críticas ao Governo

A garantia do Governo espanhol não tranquiliza a deputada Heloísa Apolónia, do partido ecologista Os Verdes, que promoveu na semana passada um voto de condenação no Parlamento ao novo aterro de resíduos nucleares em Almaraz, que acabou aprovado por unanimidade. “Não tem qualquer lógica fazer um investimento desta natureza se a ideia for fechar a central em 2020”, afirma a deputada, que lamenta que as autoridades espanholas não cumpram uma promessa, feita na altura do desastre nuclear na central japonesa de Fukushima, em Março de 2011, de encerrar progressivamente as suas centrais nucleares.

Heloísa Apolónia critica a actuação do ministro do Ambiente neste tema que, diz, demorou demasiado tempo a reagir. “O ministro só acordou quando foi decidida a construção do armazém”, lamenta a deputada, que espera não ter sido tarde demais.

O vice-presidente do CDS, Telmo Correia, faz uma crítica idêntica e anunciou esta quinta-feira no Parlamento, segundo o Expresso, que iria pedir a presença do ministro do Ambiente na comissão parlamentar especializada na próxima semana. Já está agendada para 24 deste mês a audição de Matos Fernandes no Parlamento, a pedido de Os Verdes.

Em meados do mês de Dezembro, o Governo espanhol autorizou a construção de um armazém para resíduos nucleares na central de Almaraz, sem consultar Portugal nem ter avaliado os impactos transfronteiriços do novo aterro.

Matos Fernandes ameaçou mesmo não comparecer na reunião desta quinta-feira, mas recuou depois de esta semana o rei de Espanha ter garantido ao Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que não seria tomada nenhuma decisão unilateral.

Esta quinta-feira, Marcelo Rebelo de Sousa destacou o facto de as autoridades espanholas dizerem não haver "uma decisão definitiva" sobre a construção do armazém de resíduos nucleares.

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