A central nuclear na porta ao lado

Vários países europeus têm feito queixas diplomáticas ou instaurado processos judiciais por medo das centrais de produção de energia atómica do outro lado da fronteira.

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Rui Gaudêncio

As centrais europeias estão envelhecidas e, em vários casos, as preocupações pela sua segurança têm sido acompanhadas por protestos dos países vizinhos a nível diplomático, acções judiciais, e ainda contestação popular à sua presença. Mas o nuclear depende apenas de leis nacionais portanto é muito difícil que os países vizinhos tenham uma palavra a dizer.

Bélgica – três países contra dois reactores de 1975

Uma aliança inédita de cidades de três países preocupadas com a extensão do funcionamento de dois reactores nucleares belgas perto das suas fronteiras juntou-se para pressionar em tribunal para o encerramento de dois rectores, Tihange 2 e Doel 3. Alemanha, Holanda e Luxemburgo estão preocupadas com a extensão do prazo de funcionamento dos complexos nucleares de Doel e Tihange, em funcionamento desde 1974-75, e que deveriam ter encerrado em 2015, mas que o Governo belga decidiu manter em funcionamento até 2025.

O Governo belga argumenta que não há razões para alarme e que os problemas detectados – essencialmente de microfissuras – estão a ser resolvidos. Os dois reactores em causa estiveram encerrados 21 meses para serem reparados, e Doel 3 foi encerrado uma semana depois de reabrir para mais reparações.

No seguimento da pressão alemã, os dois governos assinaram em Dezembro de 2016 um acordo para troca de informação e transparência, que cria uma comissão conjunta e permite vistorias de responsáveis de ambos os países. No entanto, esta comissão está longe do que as autoridades germânicas desejavam, que era o encerramento da central. O nuclear gera cerca de 50% da energia da Bélgica, que tem sete reactores em funcionamento.

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França – central em falha sísmica e invasão da Greenpeace

França tem uma série de queixas de vizinhos por centrais nas fronteiras, desde o caso de Fessenheim, na fronteira com a Alemanha, que o Presidente François Hollande prometeu encerrar em 2016 mas que continuará a funcionar até que uma nova central no norte esteja completa, passando por Cattenom que causa preocupação no Luxemburgo (o grão ducado até já ofereceu compensação monetária ao vizinho, o que a França recusou), até Bugey, a 70 quilómetros de Genebra, na Suíça. Fessenheim, que começou a funcionar em 1977, é o mais antigo reactor em funcionamento em França e está localizado numa falha sísmica, o que preocupa especialmente a Alemanha e a Suíça. Cattenom já teve vários incidentes incluindo dois incêndios nos últimos anos, e Bugey foi, em 2013, alvo de uma acção de activistas da Greenpeace que entraram no local expondo falhas de segurança. França está ainda a construir um local subterrâneo para guardar todos os resíduos nucleares produzidos pelas várias centrais do país em Bure, que tem levado a protestos na Alemanha (fica a 120 quilómetros da fronteira).

França tem 58 reactores em funcionamento que produzem mais de 75% da energia do país. O Governo Hollande prometeu diminuir para 50% o peso do nuclear nos gastos de energia do país.

República Checa – Do outro lado da "cortina de ferro" do nuclear

No que é visto como um dos casos mais emblemáticos da diferença de opiniões entre a velha e mais rica Europa e os novos membros, o diferendo entre a Áustria e a República Checa no nuclear opõe um país com uma enorme e forte tradição antinuclear e outro com um plano vasto de produção de energia atómica. A Áustria, que no final dos anos 1970 tinha um reactor pronto a funcionar, mas que nunca chegou a usá-lo porque num referendo nacional ao nuclear em 1979 o “não” venceu, é estritamente contra este tipo de energia. A República Checa decidiu construir um reactor a apenas 50 quilómetros da fronteira com a Áustria em 1981, Viena ameaçou dificultar a entrada do vizinho na UE e a central só entrou em funcionamento após um compromisso 20 anos mais tarde. Agora a Áustria ameaça processar a República Checa (que tem 6 reactores em funcionamento) por uma expansão da central.

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Lituânia – os Bálticos querem concorrer com a Rússia

A Lituânia está a ser questionada pela Bielorrússia pela sua central planeada para servir os três bálticos – possivelmente por retaliação pois Vilnius tem liderado uma oposição à central bielorrussa de Astravets. A central lituana, ainda em fase de planeamento, deverá ser construída no local da antiga central de Ignalina, que foi encerrada em 2009 por pressão europeia (a promessa de encerramento foi parte do processo de entrada da Lituânia na União). A acrimónia à volta da construção destas centrais na Lituânia, na Bielorrússia e na Rússia (no enclave de Kaliningrado) tem também a ver com a competição pelo mercado local. A Lituânia quer deixar de depender de energia russa, sobretudo gás.

Polónia – Um avanço relutante para a energia atómica

A Polónia quer diversificar as suas fontes de energia e quer que o nuclear seja uma destas fontes. No entanto, tentou outras soluções antes de decidir avançar com o seu próprio programa de energia atómica, incluindo participar na central de Visagninas, na Lituânia, que pretende servir os três estados Bálticos.

Depois de escolher avançar no seu território, o país está ainda em processo de escolha de localização, depois de ter causado apreensão na Alemanha com locais perto da fronteira. Desde o acidente de Fukushima a Alemanha mudou de curso e pretende desactivar as suas centrais até 2022. Na altura do acidente tinha 17, destas, oito foram logo encerradas.

Rússia – Central no enclave europeu de Kaliningrado

Uma das várias novas centrais que a Rússia está a planear, a central no enclave de Kaliningrado está já em construção. A Lituânia queixa-se que não foi consultada sobre a localização e responsáveis lituanos apelaram a que os vizinhos e potenciais compradores da energia ali produzida boicotem a central, que vai ter participação estrangeira. A Rússia tem 36 reactores em funcionamento, cinco dos quais na parte asiática do país.

Bielorrússia – Lituânia compara nova central a “crematório”

A  primeira central nuclear da Bielorrússia com tecnologia russa decorre em Astravets, perto da fronteira com a Lituânia, que está a protestar energicamente contra esta nova central, a 23 quilómetros da fronteira com a Lituânia e a 55 quilómetros da capital, Vilnius. A Presidente lituânia já declarou a central como uma ameaça “existencial” à segurança da Europa. “Estão a construir um crematório”, disse o político lituano Mikalai Ulasevich. “O único modo de esta central ser segura é encerrá-la”, declarou, acrescentando que o Governo bielorrusso está a violar as convenções de protecção ambiental de Aarhus e Espoo. A Bielorrússia defende-se, dizendo que a central é inspeccionada pela Agência Internacional de Energia Atónica. A Bielorrússia é o país que sofreu com o maior desastre nuclear da História, em Tchernobil (1986). A vizinha Ucrânia diz que a Lituânia está a exagerar. “Não somos idiotas. Como país, sofremos muito com Tchernobil, não iríamos construir uma central que não fosse segura”, disse o chefe da diplomacia do país Vladimir Makei.

Ucrânia – o país de Tchernobil ainda preocupa

O estado das centrais nucleares no país que nunca as parou nem após o desastre de Tchernobil não está a provocar tensão directa com os vizinhos, mas sim apreensão geral: o facto de haver quatro centrais antigas a funcionar num país em guerra, onde um grupo de neonazis tentou entrar na central de Zaporizhia, uma das maiores da Europa, e onde um repórter do diário britânico The Guardian encontrou resíduos nucleares de Zaporizhia a céu aberto. O conflito na frente de Dombass está a cerca de 200 quilómetros da central. A Ucrânia tem quatro centrais com um total de 15 reactores e produz cerca de metade da sua energia deste modo.

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