Soares morreu. Começa agora o combate pela imortalidade

Ao fim de 26 dias em coma, Mário Soares morreu neste sábado. Começa agora o último combate, como disse o Presidente da República: “O combate pela imortalidade do seu legado.”

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Mário Soares, o principal rosto da democracia portuguesa, morreu neste sábado aos 92 anos REUTERS/José Manuel Ribeiro
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Marcelo Rebelo de Sousa à chegada ao Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa EPA/MARIO CRUZ
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João e Isabel Soares, os filhos do antigo Presidente, com o director do Hospital da Cruz Vermelha MÁRIO CRUZ/LUSA
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António Costa na Índia: o primeiro-ministro optou por não suspender a visita de Estado EPA/TIAGO PETINGA
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Jornalistas à porta do Hospital da Cruz Vermelha, onde Soares estava internado desde 13 de Dezembro MÁRIO CRUZ/LUSA

Lutou como poucos contra a ditadura, foi preso, casou na prisão, teve de deixar o país. Regressou depois do 25 de Abril para ser um pouco de tudo na política (deputado, ministro, primeiro-ministro, Presidente da República e eurodeputado). Mário Soares, o rosto maior da democracia portuguesa, morreu neste sábado às 15h28, aos 92 anos. Começa agora o combate pela imortalidade.

Soares estava internado desde 13 de Dezembro no Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, onde entrou em situação crítica, depois de uma indisposição. Passou dez dias nos cuidados intensivos, para onde regressou na véspera de Natal, depois de um súbito agravamento do estado de saúde e de ter entrado em coma profundo. De acordo com a vontade da família, não foi sujeito a mecanismos de suporte de vida.

O Governo decretou três dias de luto nacional a partir de segunda-feira, dia em que o corpo de Mário Soares será levado para o Mosteiro dos Jerónimos, onde será velado na Sala dos Azulejos, e não na igreja, por sempre se ter assumido como laico. O funeral, que por ordem do Governo terá honras de Estado, realiza-se na terça-feira, com uma sessão evocativa nos claustros do mosteiro às 13h, seguido de cortejo até ao Cemitério dos Prazeres, onde será sepultado a partir das 17h, ao lado da sua companheira de sempre, Maria de Jesus Barroso. O primeiro-ministro não estará presente por se encontrar em visita de Estado à Índia, que decidiu não cancelar.

A partir de Nova Deli, António Costa recordou Soares como alguém que “durante toda a vida lutou pela liberdade”. “Mário Soares deu um contributo único e insubstituível para sermos um país livre, democrático e europeu”, afirmou o primeiro-ministro, que lhe manifestou a sua “gratidão e saudade, que será eterna”.

Antes, como determina o protocolo, o Presidente da República convocou o país a fazer, com Mário Soares “como inspirador”, o seu último combate: "O combate pela duradoura liberdade com justiça, que é o mesmo que dizer, o combate pela imortalidade do seu legado."

Numa declaração no Palácio de Belém de cerca de 15 minutos, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que "iremos vencer esse combate porque dele nunca desistiremos, como Mário Soares nunca desistiu de lutar por um Portugal livre, uma Europa livre, um mundo livre".

“Como toda a personalidade de eleição, conheceu a glória e o revés”, mas "no que era decisivo, ele foi sempre vencedor", afirmou o chefe de Estado. E o decisivo, disse-o ao longo de toda a intervenção, foi o seu combate de uma vida pela liberdade.

“Foi pela liberdade que se viu perseguido, preso e deportado, […] por ela se bateu durante os anos quentes da Revolução”, lembrou Marcelo. “Mas foi sobretudo como lutador pela liberdade que se revelou determinante a criar a nossa democracia, a votar a nossa Constituição, a ver a lusofonia como comunidade de Estados soberanos e irmãos, a pedir a adesão às Comunidades Europeias e a subscrevê-la”, acrescentou.

Soares sonhava então, disse ainda Marcelo, “com uma Europa das pessoas e da solidariedade” e foi ele que “abriu a nossa diplomacia ao mundo, condenou as violações dos direitos humanos e as intolerâncias internacionais, defendeu a igualdade que permitisse a verdadeira liberdade num quadro de um socialismo democrático, lusíada, atlântico, universalista e progressista”.

Momentos de uma vida única

Marcelo Rebelo de Sousa lembrou também “as imagens únicas que ninguém esquecerá” da vida de Mário Soares, a começar pela “presença corajosa ao lado de Humberto Delgado", a resistência no exílio, o regresso a Santa Apolónia, o discurso na Fonte Luminosa, o debate com Álvaro Cunhal.

"Esteve disponível para servir como primeiro-ministro em duas crises financeiras graves", recordou o Presidente da República, lembrando ainda a sua "tenacidade" no fim da primeira volta das eleições presidenciais de 1986, que acabou por vencer.

Enalteceu também o "calor irrepetível do encontro com os portugueses nas presidências abertas", "o sonho e luta por um Timor Leste independente" e a participação do fundador do PS na manifestação contra a intervenção no Iraque.

Marcelo sublinhou também a união de Soares com Maria de Jesus Barroso, "sua mulher e companheira de luta”. E a sua causa, acrescentou, foi sempre a mesma: a liberdade.

"Mário Soares é uma das grandes figuras da história portuguesa do século XX e do início do século XXI, e fundador do nosso regime democrático", lê-se no decreto aprovado pelo Conselho de Ministros por via electrónica, poucas horas depois do falecimento do antigo Presidente da República.

No diploma, que decreta luto nacional nos dias 9, 10 e 11 de Janeiro e estabelece que seja realizado um funeral de Estado, é referido que a República é devedora da "longa e incondicional dedicação à causa pública" de Mário Soares e do "seu exemplar contributo para o prestígio de Portugal".

"Pelos cargos cimeiros que ocupou no Estado e pelas decisões de largo alcance que tomou para o país, foi o protagonista político do nosso tempo e aquele que mais configurou a democracia portuguesa nas suas opções fundadoras", lê-se no decreto, que recorda a vida do fundador do PS.

Uma vida que merecerá honras de Estado também na morte. No entanto, a questão da trasladação de Mário Soares para o Panteão Nacional não será colocada tão cedo. Em Maio passado, o Parlamento aprovou uma lei que estabelece a regra dos 20 anos para atribuir as honras do Panteão a qualquer personalidade após a sua morte. Mesmo uma lápide alusiva à sua vida e obra só pode ser afixada cinco anos após o óbito.

A lei determina que as honras de Panteão Nacional se destinam a homenagear "cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao país, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade". Quando o momento chegar, não deverá haver dúvidas sobre a atribuição desta distinção a Mário Soares. com Hugo Daniel Sousa

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