"Com o Brexit, a Índia precisa de novos parceiros para navegar na UE"

Quando pensa na Europa, a Índia prefere interagir directamente com Estados-membros da União Europeia, diz um especialista indiano em relações internacionais, É aqui, diz, que a visita de António Costa à Índia tem particular importância.

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A saída do parceiro tradicional na UE, o Reino Unido, obriga a Índia a procurar outros parceiros NEIL HALL/REUTERS

Pranay Kotasthane é o director do Gabinete de Estudos do Takshashila Institution, um respeitado think tank de Bangalore especializado em relações internacionais, e investigador do seu programa de geoestratégia. Por ter nascido em Goa, conhece bem o dossier das relações entre Portugal e a Índia.

Como é que descreve a relação Portugal-Índia no quadro europeu?
Colocaria Portugal no quarto lugar mais importante, ao lado da Holanda. Em primeiro lugar está o Reino Unido, por causa dos laços históricos e das fortes relações económicas actuais. Como outros membros asiáticos da Commonwealth, a Índia vê a Europa através do Reino Unido. A Alemanha e a França são os outros dois países europeus com os quais a Índia tem parcerias estratégicas. A seguir, vem a parceria da Holanda e de Portugal, dois países com grandes comunidades indianas.

A visita de António Costa é relevante para a Índia?
A visita tem um enorme significado. Acontece quando o elemento de ligação tradicional da Índia à União Europeia — o Reino Unido — está de saída. A Índia precisa de parceiros que a ajudem a navegar nos complexos mecanismos da União Europeia. Neste momento, em termos internacionais, a UE não é vista como um actor estratégico credível. À excepção de questões de comércio e investimento, países asiáticos emergentes como a Índia preferem interagir directamente com Estados-membros da UE e vice-versa. É aqui que as relações Índia-Portugal em geral e esta visita em particular têm importância.

Mas a Índia precisa de ser parceira de Portugal não apenas para ter uma porta de entrada na UE. É também para a ligar a outros países lusófonos em África, Ásia e América Latina. A visita de Costa dá um ímpeto a essas parcerias. E, em ultimo lugar, Costa vai visitar Gujarat, Goa e Karnataka. Não é comum um líder de outro país sair de Nova Deli, a capital. A visita pode ser usada para estabelecer laços directos com estes estados indianos, que são três das regiões com melhor performance económica da Índia.

O pai do primeiro-ministro António Costa era um indiano de Goa. Que impacto tem esse facto na política interna e externa indiana?
Directamente não tem impacto. Mas a visita pode reforçar o papel de Goa como protagonista de política externa, não apenas em relação a Portugal, mas também aos países lusófonos. Tradicionalmente, a política externa tem sido vista como uma tarefa exclusiva do governo da União Indiana. Ao longo da última década, no entanto, muitos estados indianos começaram a estabelecer laços directos com outros países, sobretudo na área da diplomacia económica. Neste contexto, Goa é importante, porque é o estado mais rico per capita da Índia e também porque um número considerável de goeses vive fora da Índia. Se se aproveitarem bem as ligações de Costa a Goa, a parceria Goa-Portugal pode tornar-se a primeira história de sucesso neste novo paradigma da política externa da Índia.

O que pode Portugal fazer para melhorar a sua relação bilateral com a Índia?
Portugal pode ajudar de três formas. Abrir as suas portas aos indianos na área da Educação. A Índia tem falta de universidades de topo mundial. Portugal pode dar bolsas, especialmente nas ciências sociais. Além disso, para estabelecer ligações culturais fortes, Portugal pode criar programas e residências de curta duração para estudantes indianos, à semelhança do que faz o Departamento de Estado dos EUA. Isto pode envolver não apenas Goa, mas também outros países lusófonos. E uma vez que o português em Goa está em declínio e há anos em queda contínua, Portugal poderia redinamizar o Centro de Língua Portuguesa em Goa, estabelecendo ligações com outras escolas e universidades.

Goa está a ser desaproveitada? Poderia ser o centro de uma diplomacia triangular que envolvesse Portugal, a Índia e outros países da CPLP?
Sem dúvida. Na Índia, está a ganhar força a ideia de que os estados são importantes parceiros da política externa nacional. Os estados querem estabelecer relações económicas que sejam mutuamente vantajosas. Muitos governos estaduais estão a criar departamentos NRI (de “Non-Resident Indians” ou Indianos Não Residentes) que interagem com países que têm grandes diásporas vindas desses estados. Goa pode tornar-se um elo de ligação crucial entre a Índia e os países lusófonos. E deveria considerar ter uma representação permanente em todos os países lusófonos para acelerar o fluxo de investimentos. 

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