Iraque suscitou "questões jurídicas" sobre inquérito que envolve filhos do embaixador

MNE pediu à Procuradoria-Geral da República que "se entender pertinente, faculte eventuais elementos adicionais" a este caso para que o Governo português possa deliberar.

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DANIEL ROCHA/arquivo

As autoridades iraquianas "suscitaram questões jurídicas relacionadas com o processo de inquérito" relativo à agressão de um jovem em Ponte de Sor, de que dois filhos do embaixador do Iraque são suspeitos. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, em declarações aos jornalistas na manhã desta sexta-feira sobre a resposta que recebeu do Governo do Iraque, explicou que as questões jurídicas têm a ver com o processo penal: uma relativa à factualidade relatada e outra às condições de interrogatório de outras testemunhas.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) recebeu a resposta do Governo iraquiano na quinta-feira à noite, dentro do prazo-limite estabelecido por Portugal, e pediu na manhã desta sexta-feira à Procuradoria-Geral da República (PGR) que, "se entender pertinente, faculte eventuais elementos adicionais que permitam ao Governo [português] deliberar sobre este caso tendo em conta o estipulado na Convenção de Viena sobre relações diplomáticas".

Os dois filhos do embaixador iraquiano em Lisboa gozam de imunidade diplomática, ao abrigo da Convenção de Viena, e o Governo português pediu ao Iraque, por duas vezes, o levantamento dessa imunidade, para que os jovens possam ser ouvidos em interrogatório e na qualidade de arguidos sobre o caso das agressões a Ruben Cavaco, em Agosto passado.

Santos Silva diz que "as diligências diplomáticas já foram tomadas" para que a imunidade seja levantada criando as condições para que os jovens sejam ouvidos na qualidade de arguidos e a justiça seja administrada. "O que Portugal diz é que para que os factos sejam apurados é preciso interrogar na condição de arguidos duas pessoas que gozam da imunidade diplomática" no quadro da Convenção de Viena, explicou. 

Quando questionado sobre as garantias de que o embaixador e os filhos vão regressar a Lisboa depois de terem deixado Portugal em Dezembro, para uma deslocação temporária, segundo informações oficiais, o governante respondeu que acredita que o processo está a ser tratado com boa-fé, não havendo, por isso, razões para pensar que não terão voltado na data prevista, ou seja, ontem, dia 5 de Janeiro. "Presumo que se não regressaram devem estar a regressar", disse, referindo-se ao facto de vários voos terem sido cancelados devido ao nevoeiro em Lisboa.

Da mesma forma diz que não há motivos para pensar que existe "uma tentativa do Governo iraquiano de protelar" uma resposta e comprometer o processo. "O Governo do Iraque tem cumprido todos os prazos" a pedido do MNE, sublinhou o ministro.

Em Outubro, o Estado iraquiano rejeitou o primeiro pedido de Portugal para levantar a imunidade diplomática, feito em Agosto, e reiterou a vontade de cooperar para o esclarecimento dos factos e considerou prematuro, “dada a fase do processo e a consequente impossibilidade de acesso ao mesmo”, tomar uma decisão a respeito do pedido de levantamento de imunidade. No dia 7 de Dezembro, o MNE entregou um novo pedido para o levantamento da imunidade dos dois suspeitos e deu um prazo de 20 dias úteis que terminou ontem.

Não há um prazo-limite estabelecido para uma resposta do MP. Por isso, os desenvolvimentos do processo estão agora dependentes do que disser o Ministério Público relativamente às dúvidas suscitadas pelas autoridades de Bagdad.

"Todas as questões que têm a ver com o direito penal são remetidas ao Ministério Público [MP]. E as questões suscitadas foram remetidas para a PGR. Logo que tenhamos respostas, compete-nos a nós deliberar de acordo com a Lei Internacional e a Convenção de Viena", afirmou o ministro. "A nossa interacção com as autoridades iraquianas" terminou enquanto não houver resposta do MP.

Numa nota enviada à comunicação social ao fim desta manhã, o gabinete de imprensa da Procuradoria-Geral da República informa que "a documentação recebida será remetida ao inquérito, para que, nesse âmbito, seja objecto de apreciação pelo Ministério Público".

"Reparação devida"

A Convenção de Viena prevê dois cenários no caso de não ser levantada a imunidade diplomática: que o embaixador seja considerado persona non grata e abandone o país ou que o processo judicial seja transferido para as autoridades judiciais do Iraque onde os jovens não gozam de imunidade diplomática.

Nenhuma dessas hipóteses concorre para aquilo que é o interesse de Augusto Santos Silva. E esse é "que, por um lado, a justiça seja administrada e que a família da vítima tenha a reparação que lhe é devida, o que também é justiça".

Estas declarações mostram que o MNE "também tem a mesma perspectiva da família", disse ao PÚBLICO Santana Maia-Leonardo, o advogado que representa a família de Ruben Cavaco. "Mesmo num processo-crime, a reparação do dano é o mais importante. A reparação dos danos é a componente mais importante da pena. Significa arrependimento, reconhecimento da responsabilidade e reparação", disse, acrecentando que a sua expectativa está centrada no pagamento de uma indemnização por parte de quem cometeu a agressão, para que haja responsabilização pelos factos e também "para que não sejam os contribuintes portugueses, através do Estado e do Fundo de Apoio à Vítima" a suportar essa verba.

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