Guilherme Pinto, um regresso que se saúda

Parece-me conveniente uma administração mais parcimoniosa do gesto e da palavra presidenciais. Foi aliás isso o que já sucedeu e por isso merece ser saudado pela sua comunicação de Ano Novo.

1. Há quatro anos atrás o PS cometeu um erro político muito grave ao decidir não apoiar a recandidatura de Guilherme Pinto à Presidência da Câmara de Matosinhos. Observada à distância essa opção revela-se quase do domínio do absurdo. A razão formalmente invocada, que suscitou aliás a minha aquiescência, foi a da existência de uma adesão maioritária no interior do partido a uma outra candidatura. Conhecendo quase todos nós a natureza da maior parte dos meandros partidários tínhamos a obrigação de proceder de forma contrária àquela que então prosseguimos. No meu caso concreto alio ao erro político aquilo que hoje sem hesitação considero uma certa falha no plano estritamente moral. Conheço Guilherme Pinto desde o início da minha participação na vida do PS e sempre lhe reconheci qualidades raras de inteligência que, associadas a uma sólida cultura política, desde muito cedo o destacaram como uma das principais figuras da sua geração. Durante muitos anos lamentei que não tivesse seguido aquela que me parecia ser a sua vocação mais genuína – a vocação parlamentar. Tudo apontava nesse sentido: a capacidade tribunícia, a qualidade do pensamento político e jurídico, a excelência da argumentação e o gosto pelo debate. As circunstâncias da vida levaram-no para o campo da actividade autárquica onde se destacou, primeiro como vereador e, nos últimos onze anos, como presidente da Câmara de Matosinhos.

Esta semana tomou duas decisões da maior importância real e simbólica. Renunciou à Presidência da Câmara por motivos de saúde e regressou ao Partido Socialista, uma vez liberto do constrangimento que a si próprio impusera dada a natureza independente da sua última candidatura à autarquia. Este regresso reveste-se de um amplo significado para o PS, em geral, e para os socialistas portuenses, em particular. Por razões que hoje todos convimos relevarem de uma certa mesquinhez amplamente partilhada no interior do Partido Socialista, Guilherme Pinto viu-se forçado a abandoná-lo num gesto não desprovido de nobreza e carácter. Nunca ao longo dos anos em que esteve formalmente separado do PS se lhe ouviu qualquer consideração pouco abonatória em relação ao projecto que tão empenhadamente servira. Pelo contrário, é conhecido o entusiasmo com que a nível nacional em vários momentos apoiou o Partido Socialista e os seus candidatos a diversos cargos. Foi por isso justa e sensata a decisão de estimular o seu regresso. Com tal atitude o Partido Socialista não apagou o irreparável erro histórico cometido nas últimas eleições autárquicas, mas respondeu dignamente a uma exigência moral e política que o próprio comportamento de Guilherme Pinto colocava. O PS volta assim a contar com um dos seus melhores.

2. O Presidente da República esteve bem na mensagem de Ano Novo. Fez uma avaliação do passado recente consonante com tudo o que tem vindo a dizer desde a sua tomada de posse e chamou a atenção para a principal questão do nosso futuro imediato: a necessidade de alcançarmos valores mais elevados no âmbito do crescimento económico. O Presidente sabe que esse objectivo não é de concretização fácil dados os múltiplos constrangimentos que condicionam o país. O alto nível de endividamento público e privado, a necessidade de garantir a observância das regras constantes do Pacto Orçamental, as interrogações que se colocam em relação à manutenção da política monetária prosseguida pelo BCE e a enorme incerteza que paira sobre a evolução da situação internacional não são factores que favoreçam uma retoma económica mais vigorosa. O Governo sabe isso mesmo melhor do que ninguém. No ano que agora terminou António Costa fez uma clara opção política, a meu ver correcta, pela continuação da participação de Portugal na Zona Euro com o cumprimento das inerentes obrigações daí resultantes. Essa opção sacrificou o investimento público, acarretou uma significativa pressão em relação ao funcionamento de serviços públicos essenciais e implicou a manutenção de uma carga fiscal muito elevada. Neste contexto uma retoma económica mais acentuada terá de passar por um maior empenhamento europeu no apoio aos países recém-saídos de traumáticos processos de ajustamento financeiro e pela criação de um clima de confiança interna capaz de estimular o investimento privado. Uma e outra coisa só serão possíveis se o Governo não ceder às pressões e às propostas, nalguns casos delirantes, que têm sido apresentadas pelos partidos da extrema-esquerda que lhe têm garantido apoio parlamentar. Até aqui, com base num caderno de encargos relativamente exíguo e repleto de medidas bastante populares, foi possível superar gravíssimas contradições devidamente assinaladas.

A partir de agora entramos num terreno diferente e profundamente desconhecido. Por isso mesmo é desejável que o Presidente da República mantenha uma posição de rigorosa equidistância de modo a poder moderar com sucesso a vida política nacional. Julgo francamente que Marcelo Rebelo de Sousa dispõe de todas as condições para exercer em toda a plenitude essa função com a prudência e o recato que muitas vezes se lhe irão exigir. Daí que me pareça conveniente uma administração mais parcimoniosa do gesto e da palavra presidenciais. Foi aliás isso o que já sucedeu e por isso merece ser saudado pela sua comunicação de Ano Novo.

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