Afinal havia outra

Quando Mónica Sintra e o Financial Times estão de acordo, há que refletir.

Foi o Financial Times que nos deu notícia do triste passamento da conhecida TINA — abreviatura para There Is No Alternative, ou seja, para o dogma de que em política Não Há Alternativa. Num artigo recente, a vetusta publicação especializada garante que o Governo de António Costa “confundiu os críticos” com uma governação ancorada à esquerda que se desviou das políticas de austeridade e conseguiu atingir os objetivos do défice em que a direita falhou durante o governo anterior. Durante anos garantiram-nos que só era possível uma política. Mentira. Parafraseando o grande sucesso musical de Mónica Sintra, afinal havia outra.

E quando Mónica Sintra e o Financial Times estão de acordo, há que refletir.

A ideia de que não havia alternativa servia à direita. Lembram-se de quando Pedro Passos Coelho nos dizia, por exemplo, que não seria possível manter a TAP como empresa pública ou recapitalizar a Caixa Geral de Depósitos? Em ambos os casos, valia-se de uma desculpa pronta: Bruxelas não deixava. Em vão procurava quem conhecesse alguma coisa de direito europeu a legislação que obrigasse a privatizar a TAP ou impedisse a recapitalização da CGD. Em vão. O pretexto de que “a Europa não deixa” funcionava bem com dois tipos de público: aqueles que querem privatizar tudo o que mexe (incluindo os interesses que beneficiam dessa privatização) e aqueles que, após anos de distorcido debate europeu, acreditam facilmente em tudo o que se lhes diga sobre a UE. Não havia outra política senão privatizar ou deixar andar.

Mas afinal havia mesmo. Metade da TAP foi recomprada — e não seria o direito europeu a impedir que se recomprasse toda a companhia. A CGD mantém-se como banco público, com recapitalização pública, aparentemente com o apoio e até assistência de Bruxelas. Além disso, passaram nas instituições europeias dois orçamentos de Estado, as reversões e as reposições de rendimento que deixavam a nossa direita em pânico. E não só não houve sanções nem suspensões de fundos comunitários como Portugal está muito próximo de sair do procedimento por défice excessivo.

Tudo isto junto, fica a pergunta: e se Pedro Passos Coelho não quisesse ter ido para além da troika? E se Passos e Portas tivessem tentado, ao menos tentado, impedir alguns dos piores cortes e subidas de impostos? E se o governo anterior não acreditasse na austeridade, ou ao menos acreditasse numa distribuição diferente da austeridade ao longo do tempo? Sabemos que essa pergunta é fútil, porque o Governo anterior acreditava no que estava a fazer, e dava-lhe jeito que acreditássemos que o fazia por ser obrigado.

Mas PSD e CDS/PP acreditavam também noutra coisa. Acreditavam que nunca haveria hipóteses de refutar o dogma da não-alternativa porque o PS nunca se entenderia com o BE e o PCP para governar. É natural que assim pensassem. Nunca tinha havido outra política na esquerda portuguesa. Mas afinal houve geringonça, e isso furou as contas políticas da direita.

Para ser justo, porém, essas não são as únicas contas que saem furadas. À esquerda também havia a tese de que não havia mesmo alternativa — ou pelo menos de que não havia alternativa dentro da UE e do euro. E também aí falta retirar as lições do último ano. É que eu sou do tempo em que se era ferozmente atacado à esquerda por dizer que, mesmo no quadro da UE e do euro, é sempre possível optar por políticas diferentes. E a teoria dominantes era a de que no momento em que um governo de esquerda tentasse fazer qualquer coisa de esquerda, o BCE fecharia as torneiras e a Comissão Europeia, à falta de canhões, mandaria as sanções. Não havia outra possibilidade. Aprendi ontem pelo Financial Times que a Mónica Sintra tinha mais razão do que muitos grandes teóricos: afinal havia mesmo.

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