As novas imparidades de “mais de 3 mil milhões de euros” na CGD

Ricardo Cabral classifica de inaceitável e perigosa a decisão de constituir imparidades antes do processo de recapitalização do banco público.

A actuação do Governo na Caixa Geral de Depósitos parece dificilmente defensável. Começa porque deveria ter, logo à partida, recusado as condições impostas por António Domingues. Tornou-se progressivamente mais grave em resultado da forma como essas condições foram negociadas com as autoridades europeias e da polémica associada à nomeação de António Domingues e da sua equipa.

Em particular, o Governo adoptou como sua a proposta/exigência de António Domingues relativa às necessidades de aumento de capital da CGD, que decorreriam da necessidade de constituir imparidades adicionais e de assim melhorar os rácios de cobertura do crédito em risco, que seriam considerados insuficientes.

Ora, como informa o Público hoje, a CGD apresentava, em Junho de 2016, i.e., antes de António Domingues assumir funções como presidente executivo, rácios de cobertura do crédito em risco por imparidades mais colaterais (garantias) praticamente iguais aos da média dos 51 maiores bancos europeus. Que fundamento então para esse aumento de capital?

O processo culmina com a decisão que considero inaceitável e perigosa de constituir imparidades em 2016, antes do aumento de capital da CGD que ocorrerá no “início” de 2017. Segundo o Jornal de Negócios de ontem, a CGD irá registar imparidades “de mais de” de 3 mil milhões de euros e prejuízos “de perto de” 3 mil milhões de euros em 2016, o que deixará o rácio CET1 da CGD em aproximadamente 5%. Ora o Banco de Portugal, a 3 de Agosto de 2014, decidiu aplicar a medida de resolução BES porque o rácio de capital consolidado do BES caiu abaixo dos requisitos mínimos exigíveis, apresentando então um rácio CET1 consolidado de 5,1%. Ou seja, as imparidades constituídas na CGD implicam rácios de capital próximos, ou mesmo inferiores aos registados pelo BES antes da aplicação da medida de resolução em incumprimento - temporário e com o acordo prévio do BCE, é certo - dos rácios de capital mínimo vigentes na zona euro. E a questão que se coloca é se as regras não são iguais para todos.

Como é possível que isto tenha ocorrido, quando se sabe que a constituição de imparidades na CGD não foi imposta pelo supervisor, mas sim por uma decisão discricionária que resulta de uma alteração profunda do modelo de avaliação e de gestão do risco de crédito da CGD, i.e., uma decisão da iniciativa da administração nomeada pelo Governo?

Como garante do Estado de Direito Democrático, o Estado deve ser o primeiro a cumprir as regras e a lei. Por conseguinte, não deveria autorizar a constituição de imparidades antes de concretizado o aumento de capital da Caixa, assim garantido que a Caixa cumpre sempre e permanentemente os rácios de capital legalmente exigíveis, como compete ao pilar do sistema financeiro português.

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