Educação especial: três contradições e três conceitos

A educação inclusiva pressupõe que os serviços educativos se destinem a todos os alunos, para que cada um possa atingir o máximo desenvolvimento escolar e social possível.

A leitura da proposta do PCP relativa a um novo regime de educação especial e criação de um Instituto Nacional de Educação Inclusiva, que o PÚBLICO noticiou no passado dia 20 de Dezembro, leva-me a apresentar o seguinte comentário ao que considero serem três contradições e três conceitos desadequados e expresso nessa proposta:

Primeira contradição:
A proposta de criação de um “Instituto de Educação Inclusiva”

A educação inclusiva pressupõe que os serviços educativos se destinem a todos os alunos, para que cada um possa atingir o máximo desenvolvimento escolar e social possível. Ou seja, pressupõe uma perspectiva “centrada nas orientações pedagógicas”, capaz de se adequar da melhor forma às características de cada um.

Em 1979 foi publicada a Lei nº 66 que criava um Instituto de Educação Especial que, nessa época distante, pretendia, de facto, enquadrar de uma forma separada e o que era considerado educação especial. Devido à dificuldade de colaboração entre os diferentes serviços envolvidos, esse Instituto não chegou nessa altura a ser regulamentado e, mais tarde, com o despontar de uma nova orientação educativa denominada como “inclusiva” deixou de ser equacionado.

Propor-se agora, mais de uma década depois do Congresso Mundial de Salamanca em que se proclamou a educação inclusiva como o caminho a seguir, e depois de outras décadas em que em Portugal – como em muitos outros países – se foi prosseguindo nessa direcção, o ressuscitar de um Instituto de Educação que se destinaria a encarar de forma separada dos serviços educativos comuns o atendimento dos alunos considerados como tendo necessidades especiais – chamando-lhe “inclusivo” representa, a meu ver, um retrocesso e uma clara contradição.

Segunda contradição:
A subordinação da acção educativa de alunos considerados como tendo Necessidades Educativas Especiais (NEE) a um Instituto de Educação Inclusiva

A proposta que comentamos propõe que caiba a um Instituto de Educação Inclusiva coordenar os Centros de Recursos para a Inclusão e os Gabinetes de Apoio à Inclusão o que consideramos uma medida com conceitos contraditórios.

Para que os “recursos para a inclusão” e os “gabinetes de apoio à Inclusão” possam cumprir a sua missão é indispensável que estejam intimamente ligados, diria mesmo fundidos, com as estruturas e com os profissionais que actuam na educação de todos os alunos: escolas, direcções de escolas, direcções de turma, professores, auxiliares de educação, e outros agentes que actuem nesta área. Pretender incluir alunos, separando os recursos que lhe são destinados e agrupando-os num organismo próprio, constitui de facto uma segunda contradição.

Terceira  contradição:
O Instituto proposto iria “agregar uma série de responsabilidades e competências que hoje estão dispersas pelos Ministérios da Educação, do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social.”

Numa perspectiva inclusiva, cabe aos ministérios acima referidos incluir no âmbito das suas competências as crianças, jovens ou adultos que sejam portadoras de qualquer tipo de necessidade especial e não transferi-los para um organismo específico, intitulado como “inclusivo”. A coordenação entre estes diferentes departamentos deve ser garantida através da respectiva actuação e, para a tornar mais eficaz, foi criado em  1977 o  Secretariado Nacional de Reabilitação, actualmente designado Instituto Nacional para Reabilitação. . 

A proposta de “agregação de responsabilidades” no referido Instituto de Educação Inclusiva contradiz assim o conceito de inclusão.

Primeiro conceito desadequado:
Nenhuma dessas turmas poderia ter mais de dois alunos com NEE

A organização das turmas e a colocação de alunos nas mesmas deve competir às entidades gestoras de cada escola em conjunto com o respectivo corpo docente. A característica de cada escola, de cada classe, de cada nível de ensino e, sobretudo de cada aluno, devem ser avaliados pelas  pessoas directamente implicadas e não por orientações externas.

Segundo conceito desadequado:
Proposta de que o programa educativo individual seja dado por uma dupla pedagógica com um professor de turma ou disciplina e um professor de educação especial

A organização do apoio a prestar aos alunos que dele necessitem deve ser equacionado por cada escola e o seu corpo docente, podendo revestir-se de inúmeras formas, dada a diversidade de cada situação. Por esta razão, é desadequado afirmar-se, em geral, qual a melhor estratégia educativa a ser adoptada.

Terceiro conceito desadequado:
A categorização dos alunos como condicionante de orientações educativas

O conceito de inclusão veio apresentar uma forte contestação ao que que constituiu ao longo dos anos o suporte-mestre da educação especial: a classificação e categorização dos alunos considerados com deficiência (numa primeira fase) e, em seguida, com NEE.

A difusão em Portugal do documento da Organização Mundial de Saúde intitulado “Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde” (CIF) e a sua aplicação no sector da educação especial tem sido objecto de numerosas críticas por parte de diversas entidades, nomeadamente diversas Escolas Superiores de Educação (ver referências aqui e aqui). No entanto, a proposta que aqui comentamos, considera que a sua actual aplicação unicamente aos casos de alunos com NEE de carácter permanente irá prejudicar o apoio aos que não se enquadrem nesta categoria o que podemos interpretar como o desejo de que venha a ser alargada a mais categorias de alunos, de modo a favorecer a sua inclusão.

Este tema é certamente controverso, mas considero que fomentar e ampliar a aplicação da CIF contraria claramente o conceito de inclusão e, constitui uma proposta desadequada.

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