Os protagonistas e crises do ano

Foto
Reuters/JONATHAN ERNST

Tornado Trump

O Presidente Barack Obama usou a Agência de Protecção Ambiental (EPA) para impor regulamentos para controlar emissões de gases com efeito de estufa — desta forma, evitava passar pelo Congresso, onde a legislação ficaria bloqueada, devido à forte oposição republicana. Agora, o Presidente eleito, Donald Trump, escolheu para liderar a EPA um homem que processou a agência, em nome do lobby do carvão, e pôs em causa as alterações climáticas. Para o Departamento da Energia, escolheu Rick Perry, ex-governador do Texas, ligado ao petróleo — que, na campanha das primárias republicanas, disse que gostaria de acabar com o departamento que agora vai liderar. Com o Acordo de Paris em vigor, e a diplomacia mundial em sintonia para alguma sensibilidade sobre as alterações climáticas, a Administração Trump surge como um tornado que arrasa a cena. Clara Barata

Putin à espera de ver até onde os EUA o deixam ir

A Síria providenciou a oportunidade pela qual Vladimir Putin esperava para fazer regressar a Rússia ao palco das grandes potências mundiais, estatuto perdido com o colapso da União Soviética. Depois de ter alcançado um acordo de cessar-fogo, o Kremlin enfrenta este ano o desafio de encontrar uma solução política. O objectivo primordial é garantir que em Damasco permaneça um governo aliado.

Uma vitória indirecta aconteceu de forma inesperada no seio do grande rival geopolítico da Rússia, com a eleição de Donald Trump. O republicano vem romper um consenso bipartidário de condenação da política externa de Putin, defendendo relações mais próximas com Moscovo. Ao mesmo tempo, Trump parece desvalorizar os compromissos de protecção dos Estados-membros da NATO, deixando o Leste da Europa em alvoroço sempre que olha para o lado russo da fronteira, para onde Putin deslocou os maiores contingentes desde o fim da Guerra Fria. Um dos grandes riscos para 2017, segundo o Council on Foreign Relations, é o “comportamento agressivo” da Rússia na Europa do Leste — a incógnita é saber de que forma se poderá traduzir. João Ruela Ribeiro

Xi aquece o mar do Sul da China

Uma das regiões mais “quentes” em 2017 será o mar do Sul da China. É por lá que passa grande parte do comércio marítimo mundial, tornando-o uma área estratégica e cujo controlo é vital para os países do Sudeste asiático. A tensão tem aumentado a cada ano e hoje assiste-se a uma crescente militarização entre os Estados que disputam a sua soberania. À cabeça está a China, que reclama a quase totalidade do mar do Sul e que tem construído instalações militares em recifes e pequenos rochedos. Não é a única. O Vietname tem seguido o mesmo caminho, e a Marinha norte-americana intensificou as suas patrulhas. Xi Jinping é avesso ao confronto — o mantra do Partido Comunista é a “estabilidade”. Mas a chegada de Donald Trump à Casa Branca, com um discurso inflamado contra a China, acrescenta o elemento que pode desequilibrar a paz armada dos últimos anos na região. J.R.R.

Merkel em trajectória descendente

A chanceler alemã, Angela Merkel, que já foi considerada a rainha da Europa, está em trajectória descendente — os limites do seu poder na União Europeia foram expostos com os refugiados. Com a vitória de Donald Trump, no entanto, os olhos voltaram-se para a Alemanha e para o papel que a chanceler poderá ter. No plano interno, parece certo que vencerá as eleições de 2017. E é muito provável que governe, mas isso dependerá da aritmética das coligações — é o cenário mais provável, mas não o único. Há ainda outro imponderável: a grande maioria dos alemães não parece ter penalizado a chanceler após o atentado terrorista de Berlim, mas é mais difícil prever o que poderá acontecer se houver outros ataques. Maria João Guimarães

Erdogan, senhor das crises

O Presidente turco é a chave de várias crises. A União Europeia conta com a sua colaboração para manter os milhões de refugiados da guerra na Síria e no Iraque fora das fronteiras europeias, ainda que para isso tenha de tolerar as violações ao Estado de direito por Recep Erdogan, cometidas em nome da luta contra o terrorismo. As posições assumidas pela Turquia em relação à guerra na Síria, que se passa à sua porta, serão fundamentais para o seu desfecho. E tudo está cada vez mais nas mãos de Erdogan, que com as alterações à Constituição que se prepara para fazer passar no Parlamento será cada vez mais o homem forte do país — o novo Ataturk, “o pai dos turcos”. C.B.

Le Pen, a mulher mais receada da Europa

Os jovens franceses não se reconhecem nos partidos tradicionais. Com um número cada vez maior a assumir que nem sequer vai votar, 19% dos que têm entre 18 e 34 anos e ainda pensam ir pôr o seu voto nas urnas dizem-se dispostos a votar em Marine Le Pen nas presidenciais de Abril, que têm uma segunda volta em Maio — e as legislativas são cerca de um mês depois.

França é o país europeu onde mais se concretiza o cenário do crescimento da extrema-direita, com um discurso que promete a saída da União Europeia e da moeda única e o encerrar de portas à imigração. François Fillon, o candidato do centro-direita, é o único capaz de dar luta à Frente Nacional de Le Pen — o Partido Socialista está devastado pelos maus resultados e divisões da governação de François Hollande. C.B.

Um ano de teste para May e para a UE

Começa o ano com uma taxa de aprovação de fazer inveja a qualquer rival, mas poucos líderes políticos terão em 2017 um desafio tão grande como o que a primeira-ministra britânica enfrenta — e as decisões que tomar (ou for forçada a tomar) terão um impacto em toda a UE. Theresa May promete accionar até ao final de Março a cláusula que porá em marcha as negociações para a saída da UE e que, até lá, terá definido quais as suas prioridades. Será o tiro de partida para um processo inédito e complexo como nenhum outro que vai absorver as energias de uma instituição já em crise e obrigar a responder a múltiplos desafios. Londres e Bruxelas prometem um clima construtivo, mas com os populistas à espreita em várias eleições, os europeus têm poucos incentivos para fazer cedências a May. Quanto a ela, terá de equilibrar as exigências de quem quer uma ruptura abrupta com a UE e dos que consideram vital permanecer no mercado único. Tudo ficará ainda mais complicado se, já nos próximos dias, o Supremo Tribunal concluir que é ao Parlamento que cabe desencadear o processo. Ana Fonseca Pereira

Bashar al-Assad

Poucos acreditariam no início de 2016 que o regime sírio estaria um ano depois na posição em que se encontra. O apoio militar da Rússia e do Irão, os únicos países que estiveram dispostos a entrar na guerra, permitiram ao Presidente Bashar al-Assad vencer a batalha de Alepo e assumir o objectivo de reconquistar todo o território perdido “para os terroristas”. Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah que colocou milhares de milicianos a combater por Assad, diz que a reconquista da cidade representou “a derrota dos que tinham como objectivo o derrube do regime”. A chegada de Donald Trump à Casa Branca também é auspiciosa para Damasco — o Presidente eleito dos EUA só vê interesse em derrotar o Daesh e não exclui cooperar com Assad ou Putin nesse sentido. Mas se o Presidente sírio parece seguro na sua cadeira, ninguém sabe até que ponto Moscovo considera o seu lugar inegociável. Este ano começa com um cessar-fogo e promessas de negociações, mas os obstáculos para a paz não diminuíram. A.F.P.

Fantasma do impeachment ainda paira no Planalto

A substituição de Dilma Rousseff por Michel Temer, num conturbado processo de destituição (impeachment) que aprofundou o fosso social no Brasil, não estancou a crise política e económica e social que o Brasil atravessa. O novo Governo está sobre brasas: tem a legitimidade e credibilidade postas em causa desde a tomada de posse; os indicadores económicos continuam a
piorar; as reformas urgentes
que foram aprovadas são impopulares junto da opinião pública; as investigações de corrupção expõem os homens do poder e inflamam a insatisfação popular. O mandato de Temer pode ruir tão estrondosamente quanto o da sua antecessora — uma das prioridades do Presidente é travar a abertura de um novo processo de impeachment que, a acontecer, atiraria o Brasil para território verdadeiramente desconhecido no que diz respeito a crises institucionais. Rita Siza

A Venezuela pronta a explodir

O Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, conseguiu neutralizar as manobras da oposição e impedir a realização de um referendo para revogar o seu mandato no início de 2017, que, a acreditar nas sondagens, certamente resultaria no seu afastamento do poder. Mas a sua sobrevivência política — e do próprio regime chavista — não deixará de estar em causa este ano. Tornou-se evidente que as medidas tomadas pelo seu Governo para fazer face à situação de calamidade económica e social que o país atravessa não passam de paliativos. Maduro não tem o rasgo do seu antecessor, Hugo Chávez, nem o seu carisma para manter consigo a população: até agora, tem sido o Exército a assegurar a estabilidade do regime. Mas se a situação se tornar realmente desesperada, a lealdade dos militares pode mudar — e a Venezuela tornar-se um barril de pólvora. R.S.

Eduardo dos Santos e o futuro de Angola

O futuro de Angola vai ficar clarificado? Há perguntas sem resposta. As eleições estão marcadas para Agosto, sendo que José Eduardo dos Santos já não será o cabeça de lista do MPLA (em Angola, o chefe de Estado é o líder do partido que vence as eleições). Mas irá manter-se até ao fim do ano como Presidente, ou sai imediatamente? E quem lhe sucede? O partido indicou o general João Lourenço para seu cabeça de lista. Os analistas dizem que é o homem capaz de assegurar o apoio dos militares mais influentes, mas tudo dependerá do resultado eleitoral. Santos não tem apenas a sucessão política para resolver, tem de preservar a sua segurança quando deixar o cargo, a da família e preservar o poder económico desta sobre o país. Isabel (filha) foi posta à frente da empresa estatal mais importante, a Sonangol. José Filomeno (filho) é presidente do conselho de administração do Fundo Soberano. A Economist arrisca: “A promoção da sua filha pode ser o sinal mais claro de que Angola se prepara para uma dinastia Santos.” Ana Gomes Ferreira

 

Sugerir correcção
Comentar