Os últimos dias

Têm sido bonitos os últimos dias do ano. O sol mostra-nos o que o inverno costuma tapar e nós ficamos embasbacados a olhar para as paisagens que pensávamos conhecer mas nunca vimos assim, no fim de Dezembro, resplandecentes porque novas pela primeira vez.

Afinal é fácil viajar no tempo. Onde estamos? Nascem flores brancas e amarelas. Duas cabrinhas descaradas soltam-se por um canavial para ir à beira da estrada comer as verdes ervas recém-nascidas. Sorrio ao ouvi-las mastigar com mais surpresa do que fome.

Também os pássaros andam atónitos de tão gordos, pesando nos ramos e tropeçando nos caracóis. Os melros, mais desconfiados, são os únicos que não pensam que já chegou a primavera. Pobres diabos.

“Dia 2 falamos” ameaçam os trovões meteorológicos, deixando tudo raivosamente para o ano que vem, que, com este céu azul-obstinado, ainda parece longínquo. Aceitamos este terrível negócio, entregando o futuro às chuvas, como se pudéssemos alguma vez ser tidos e achados.

Visto das praias até as ondas do mar andam enganadas, lambendo a água e a areia com a ternura de uma gata a lavar os gatinhos. Só falta o calor. O resto - a luz, as cores das coisas, a disposição da gente - está pronto para deitar-se ao sol, esticado como uma estrela, boiando no mar, feliz com a ilusão de ter faltado o inverno.

Acabar em beleza é o mínimo que este ano velho pode fazer. O território português parece ter sido  escolhido a dedo para termos sempre para onde nos virarmos. Nem que seja só com os olhos.

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