Morreu Carrie Fisher, princesa das estrelas e de Hollywood

Aos 60 anos, desaparece uma actriz cuja carreira foi definida por um blockbuster e uma escritora que criticava o seu papel na sua própria vida – e na indústria do entretenimento.

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À chegada da estreia mundial de "Star Wars: The Force Awakens", em Dezembro de 2014 Mario Anzuoni/Reuters
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Com o realizador George Lucas Amanda EDWARDS/AFP
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Em Dezembro de 2015 Paul Hackett/REuters
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Com o actor Mark Hamill KEVIN WINTER/AFP/Getty Images
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No momento em que anuncia um prémio de carreira para a sua mãe, Debbie Reynolds, em Janeiro de 2015 Mario Anzuoni/Reuters
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Com os actores Mark Hamill, à esquerda, e Anthony Daniels, em Abril de 2015 KEVORK DJANSEZIAN/AFP / GETTY IMAGES
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Com o realizador George Lucas e parte do elenco de "Star Wars" Fred Prouser/REUTERS
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Elenco de "Star Wars" DR

Carrie Fisher, a actriz que ficará conhecida como a princesa Leia de Star Wars, morreu em Los Angeles aos 60 anos de idade. Em parte estrela relutante e voz de um certo sarcasmo sobre a indústria na qual se lançou e foi lançada, era também escritora e argumentista. Era "única", disse Harrison Ford sobre a sua eterna co-protagonista.

Fisher tinha sofrido um ataque cardíaco na sexta-feira durante um voo entre Londres e Los Angeles e estava internada desde então. A notícia da sua morte, na manhã desta terça-feira (hora de Los Angeles), foi confirmada por um porta-voz da família. Fisher estava a filmar a série de comédia Catastrophe, de cuja rodagem estava a regressar na sexta-feira de Londres. O seu estado foi dado como estabilizado nos últimos dias, mas a actriz terá sofrido um novo enfarte e não sobreviveu. 

A actriz é membro de uma família com raízes na era de ouro de Hollywood - filha do cantor Eddie Fisher e da actriz Debbie Reynolds, a sua meia-irmã é Joely Fisher, também actriz. A sua fama tornou-se planetária aos 19 anos, quando se encarnou a jovem princesa Leia, uma das personagens centrais de Star Wars - A New Hope, ou A Guerra das Estrelas em português. Além dos filmes da trilogia original de Star Wars – A Guerra das Estrelas, de 1977, O Império Contra-Ataca e O Regresso de Jedi – Fisher voltou para o papel de Leia em O Despertar da Força, um dos filmes mais rentáveis de sempre.

Nele partilhou algumas cenas emotivas com Harrison Ford, o rosto com o qual a cultura popular irá sempre emparelhá-la. Ela, petulante e corajosa nos filmes, tinha-lhe dito "I love you". Ele, ainda mais arrogante e bravo no espaço, respondera-lhe com um improvisado "I know". Quase 40 anos depois, ela ainda o cumprimentava com um beijo nos lábios fora do ecrã. Foi o que fez em Londres há um ano, quando descrevia Star Wars como uma “família” e assinava uma boneca Leia de um fã. Era esta a vida de uma princesa ficcional eternamente jovem no plástico dos brinquedos dos geeks, à margem de uma conferência de imprensa. 

Mas Carrie Fisher era mais do que a princesa Leia, versão heroína feminista ou ícone sexual das gerações de 1970 e 80. Ou do que a filha de Eddie Fisher, que cuidou do cantor nos últimos anos da sua vida – o casamento com Debbie Reynolds, que tem hoje 84 anos e que também se lançou em Hollywood aos 19 anos como a solar Kathy de Serenata à Chuva, terminou depois de um caso muito público dele com Elizabeth Taylor. Actriz de comédia bem sucedida com Um Amor Inevitável, de Rob Reiner, ou em The 'Burbs, trabalhou com realizadores como Woody Allen (Hannah e as suas irmãs) ou John Landis (O Dueto da Corda/Blues Brothers). Usava quase sempre a sua voz, cada vez mais rouca com a idade, para brincar com a indústria, contar histórias da sua própria vida mais ou menos dignificantes ou para denunciar o que lhe desagradava. 

"Carrie era única... brilhante, original. Engraçada e emocionalmente destemida. Viveu a sua vida corajosamente", disse Harrison Ford esta terça-feira em comunicado em reacção à morte da sua co-protagonista. 

Da dieta forçada ao famoso biquini dourado de O Regresso de Jedi, a sua admiração por George Lucas, o homem que a escolheu em detrimento de Sissy Spacek, Jodie Foster ou Terri Nunn (a vocalista dos Berlin) para o papel que definiria a sua carreira, não a impediu de defender a sua posição enquanto actriz num filme e numa indústria dominada por visões masculinas. "Carrie redefiniu o herói feminino da nossa era há mais de uma geração", postulou Kathleen Kennedy, presidente da Lucasfilm e produtora dos filmes Star Wars. A sua luta com as drogas e com a doença bipolar tornou-se pública, a sua frontalidade com elas deu-lhe reconhecimento e alimentou parte da sua carreira enquanto escritora. 

Admirava Dorothy Parker e distinguiu-se nesse campo, não só com o seu muito publicitado livro de memórias lançado há um mês, The Princess Diarist, em que revelou ter tido um romance "intenso" com Harrison Ford durante a rodagem da trilogia original de Star Wars, mas também com obras como a elogiada Postcards from the Edge (um romance de 1987 com traços autobiográficos em que falava da dependência de drogas nos anos 1970 ou da relação intempestiva com a mãe).

O livro seria transformado em filme em 1990 – Recordações de Hollywood, realizado por Mike Nichols, pôs Meryl Streep e Shirley McLaine nesses papéis, que em 2016 Carrie abraçou de frente e em nome próprio com o documentário Bright Lights: Starring Carrie Fisher and Debbie Reynolds. Neste filme, que apresentou no Festival de Cannes este ano, presta homenagem à turbulenta e apaixonada relação com a mãe, que ainda actua ocasionalmente. Como argumentista, assinou episódios televisivos de séries como Roseanne ou As crónicas do Jovem Indiana Jones e entre os seus livros está outro tomo autobiográfico, Wishful Drinking, que teve por base um espectáculo ao vivo.

A figura da mãe foi determinante na sua vida, sobretudo na perspectiva por vezes ácida que tinha quanto ao star system descartável de Hollywood – "Não tinha qualquer desejo de entrar" no show business, disse ao New York Times em 2006, porque viu de perto como ele danificou Debbie Reynolds. Mas não lhe resistiu e foi com a mãe que entrou em palco na peça Irene. Tinha 15 anos. Quatro anos depois, Star Wars "foi o motor que impeliu tudo o resto", como disse há um mês à Rolling Stone.

Deu-lhe a fama e uma carreira cujos papéis nunca teriam a visibilidade de Leia. O melhor do sucesso "é o dinheiro, viajar e as pessoas que conhecemos. A pior parte é, mais uma vez, o dinheiro, viajar e as pessoas que conhecemos", brincou na mesma entrevista. "Mas a parte pior é ser criticado", admitiu. Participou na cultura do entretenimento também na vida amorosa e social – casou-se com Paul Simon, que escreveu sobre o curto romance, dançou com os Rolling Stones, sofreu uma overdose que quase a matou no início dos anos 1990. Fazia vozes em Family Guy e teve inúmeras participações no cinema e na televisão. Algumas "as herself", Carrie Fisher a fazer de Carrie Fisher de O Sexo e a Cidade a A Teoria do Big Bang, passando pelo filme Fanboys

Em The Princess Diarist, que coligiu a partir dos diários que escrevia durante o final da década de 1970 e das filmagens do então estranho projecto de uma ópera espacial feita pelo realizador de American Graffiti, escreveu: “A celebridade perpétua – aquele tipo em que qualquer menção do nome interessará a uma percentagem significativa do público até ao dia em que morremos, mesmo que esse dia venha décadas depois do nosso último contributo real para a cultura – é muitíssimo rara, reservada para pessoas como Muhammad Ali”. 

Leia, que adorava por ser "vivaça", foi o seu papel definidor e será provavelmente o seu último (em Rogue One, a princesa aparece na tela ainda jovem, mas graças efeitos especiais que recuperam imagens antigas). O Episódio VIII da saga, previsto para Dezembro de 2017, já foi filmado e encontra-se em fase de pós-produção. Carrie Fisher retoma o seu papel como Leia, mas a princesa há muito não morava ali – tinha sido promovida a general. 

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